domingo, 23 de outubro de 2016

O QUE FAZER COM AS EMOÇÕES NEGATIVAS?

Psicologia - Frase da semana, 23OUT16: O QUE FAZER COM AS EMOÇÕES NEGATIVAS?

«One of the things I had to learn as a journalist was what to do with my anger. I had to use it, channel its energy, turn it into something that would clarify my vision, instead of clouding it.» (TED2007 · Filmed March 2007 · 21:56, James Nachtwey: My wish: Let my photographs bear witness)
(Uma das coisas que tive que aprender enquanto jornalista foi o que fazer da minha raiva. Tive que usá-la, canalizar a sua energia, transformá-la em qualquer coisa que clarificasse a minha visão, em vez de a obscurecer.)
«Os fotógrafos vão aos limites extremos da experiência humana para mostrar às pessoas o que se passa.Por vezes põem em risco a vida, porque acreditam que as vossas opiniões e a vossa influência são importantes. Dirigem as fotografias aos vossos melhores instintos, a generosidade, o sentido do certo e do errado, a capacidade e a vontade de se identificarem com os outros, a recusa em aceitar o inaceitável. O meu desejo TED: Há uma história vital que tem que ser contada, e desejo que a TED me ajude a conseguir fazer isso e depois me ajude a arranjar formas inovadoras e excitantes de usar o fotojornalismo na era digital. Muito obrigado.»
Toda a palestra é um emocionado e intenso testemunho; mais, é uma espécie de legado.
Da raiva, sempre com muita tenacidade, James Nachtwey fez uma firme, determinada e não-beligerante denúncia. Informou como tantas vezes os poderes políticos de todo o Mundo queriam que não se informasse. Assim proporcionou respostas e soluções. E influenciou importantes decisões políticas contra as guerras e a destruição.
Embora transcreva para aqui a palestra integralmente, recomendo o visionamento do vídeo da palestra. Tem boas legendas em português.
________________________

0:12
Para uma pessoa que passou toda a sua carreira a tentar ser invisível,
0:16
estar em frente duma audiência, é uma mistura duma experiência fora-do-corpo e um veado encadeado por holofotes, por isso perdoem-me por eu violar um dos mandamentos do TED socorrendo-me de um papel escrito. Só espero não ser atingido por um raio antes de acabar. (Risos) Queria começar por falar de algumas das ideias que me motivaram a tornar-me um fotógrafo documental.
0:41
Eu era um estudante, nos anos 60, uma época de contestação social e, a nível pessoal, do despertar dum sentido de idealismo. A guerra no Vietname estava no auge. O Movimento dos Direitos Civis estava em marcha e as imagens tinham uma tremenda influência em mim. Os nossos líderes políticos e militares diziam-nos uma coisa e os fotógrafos diziam-nos outra. Eu acreditava nos fotógrafos, tal como milhões de norte-americanos. As imagens deles alimentavam a resistência contra a guerra e o racismo. Não se limitaram a registar a História, ajudaram a mudar o curso da História. As fotos deles passaram a fazer parte da nossa consciência coletiva e, quando essa consciência evoluiu para um sentimento de consciência generalizado, a mudança não só foi possível, mas foi inevitável.
1:29
Vi que o livre fluxo de informações representado pelo jornalismo, em especial o jornalismo visual, pode lançar a luz nos benefícios e no custo da polícia política. Pode reconhecer o mérito duma tomada de decisões correta, reforçando o ímpeto para o seu êxito. Perante um mau juízo político ou a falta de ação política, torna-se num tipo de intervenção, analisando os danos e pedindo que reavaliemos a nossa conduta. Dá um rosto humano a questões que, de longe, podem parecer abstratas ou ideológicas ou monumentais no seu impacto global. O que acontece, a nível das bases, longe dos salões do poder, acontece aos cidadãos normais, a cada um de nós.
2:14
Compreendi que a fotografia documental tem a capacidade de interpretar acontecimentos, do seu ponto de vista. Dá voz aos que, de outro modo, não teriam voz. Como reação, estimula a opinião pública e dá ímpeto ao debate público, impedindo assim as partes interessadas de controlarem totalmente a agenda, por mais que gostassem de o fazer. Ao chegar a adulto, naquela época, percebi que o conceito do livre curso da informação é completamente vital para o bom funcionamento duma sociedade livre e dinâmica. Claro que a imprensa é um negócio e, para poder sobreviver, tem que ser um negócio com êxito. Mas é preciso encontrar o devido equilíbrio entre as considerações comerciais e a responsabilidade jornalística.
3:01
Os problemas da sociedade só podem ser resolvidos depois de identificados. Num plano mais elevado, a imprensa é uma indústria de serviços e os serviços que presta são a consciência. Nem todas as notícias têm que vender qualquer coisa. Também há alturas para dar. Era uma tradição que eu queria seguir. Ver a guerra criava incríveis desafios para todos os envolvidos e o jornalismo visual não se podia tornar num fator para a solução do conflito. Eu queria ser fotógrafo para vir a ser fotógrafo de guerra. Mas era motivado por um sentimento inerente de que uma imagem que revelasse a verdadeira face da guerra, por definição, seria quase como uma foto antiguerra.
3:46
Quero levá-los num passeio visual por alguns dos acontecimentos e questões em que estive envolvido nos últimos 25 anos. Em 1981, fui à Irlanda do Norte. Havia 10 prisioneiros do IRA que estavam a fazer greve da fome como protesto contra as condições da cadeia. A reação nas ruas era de violenta confrontação. Percebi que as primeiras linhas das guerras contemporâneas não são nos campos de batalha isolados, mas onde a população vive. No início dos anos 80, passei muito tempo na América Central, que estava mergulhada em guerras civis que refletiam a divisão ideológica da Guerra Fria.
4:25
Na Guatemala, o governo central, controlado por uma oligarquia de ascendência europeia, travava uma campanha de terra queimada contra uma rebelião indígena. Vi uma imagem que refletia a história da América Latina: a conquista através da aliança da Bíblia e da espada. Um guerrilheiro anti-sandinista foi ferido mortalmente quando o Comandante Zero atacou uma cidade no sul da Nicarágua. Um tanque destruído, pertencente à guarda nacional de Somoza ficou como monumento num parque em Manágua e foi transformado pela energia e espírito duma criança. Ao mesmo tempo, travava-se uma guerra civil em El Salvador. Mais uma vez, a população civil foi apanhada pelo conflito.
5:12
Tenho feito a cobertura do conflito palestino-Israel desde 1981. Este é um momento do início da segunda intifada, em 2000, quando ainda eram só pedras e "cocktails molotov" contra um exército. Em 2001, a rebelião aumentou para um conflito armado e um dos principais incidentes foi a destruição do campo de refugiados palestinos na cidade de Jenin, na Margem Ocidental. Sem vontade política para encontrar um terreno comum, a fricção contínua de tática e contra-tática só cria suspeitas e ódio e vingança e perpetua o ciclo de violência.
5:54
Nos anos 90, depois da desintegração da União Soviética, a Jugoslávia dividiu-se pela linha de fraturas étnicas e rebentou a guerra civil entre a Bósnia, a Croácia e a Sérvia. Isto é uma cena da luta casa a casa, em Mostar, vizinho contra vizinho. Um quarto, o local onde as pessoas partilham a sua intimidade, onde é concebida a vida, tornou-se num campo de batalha. Uma mesquita no norte da Bósnia foi destruída pela artilharia sérvia e foi usada como uma morgue improvisada. Soldados sérvios mortos recolhidos depois duma batalha e usados como moeda de troca para devolução de prisioneiros ou soldados bósnios mortos em combate. Isto tinha sido um parque. O soldado bósnio que me guiou disse-me que todos os seus amigos já ali estavam.
6:51
Ao mesmo tempo, na África do Sul, depois de Nelson Mandela ter sido libertado da prisão, a população negra começou a fase final da libertação do "apartheid". Uma das coisas que tive que aprender enquanto jornalista foi o que fazer da minha raiva. Tive que usá-la, canalizar a sua energia, transformá-la em qualquer coisa que clarificasse a minha visão, em vez de a obscurecer. No Transkei, testemunhei um ritual de passagem a adulto, da tribo xhosa. Adolescentes viviam em isolamento, com o corpo coberto de barro branco. Ao fim de semanas, lavavam o barro branco e assumiam plenas responsabilidades como homens. Era um ritual muito antigo que parecia simbólico da luta política que estava a mudar o rosto da África do Sul.
7:42
Crianças no Soweto a brincar num trampolim. Por toda a parte em África, havia fome. Na Somália, o governo central caiu e rebentou a guerra entre clãs. Agricultores foram expulsos das suas terras e as culturas e o gado foram destruídos ou roubados. A fome estava a ser usada como uma arma de destruição maciça, primitiva mas extremamente eficaz. Foram exterminadas centenas de milhares de pessoas, lenta e dolorosamente. A comunidade internacional reagiu com ajuda humanitária maciça e salvaram-se centenas de milhares de vidas. Foram enviadas tropas norte-americanas para proteger os envios de ajuda, mas acabaram por ser envolvidas no conflito e, depois da trágica batalha de Mogadíscio, retiraram-se. No sul do Sudão, outra guerra civil assistiu a um uso semelhante da fome como forma de genocídio.
8:40
Mais uma vez, as ONG internacionais, unidas sob o patrocínio da O.N.U., encenaram uma gigantesca operação de ajuda e salvaram-se milhares de vidas. Sou testemunha e quero que o meu testemunho seja honesto e livre de censura. Também quero ser poderoso e eloquente e ser tão justo quanto possível quanto à experiência das pessoas que fotografo. Este homem estava num centro de alimentação das ONG, a ser assistido tanto quanto podia ser assistido. Não tinha literalmente nada. Era praticamente um esqueleto, mas conseguiu reunir coragem e vontade para se mover. Não tinha desistido e, se ele não desistiu, quem, no mundo exterior, se atreverá a perder a esperança? Em 1994, depois de três meses a fazer a cobertura das eleições na África do Sul, vi a tomada de posse de Nelson Mandela. Foi a coisa mais incrível a que já assisti. Foi um exemplo do melhor que a Humanidade tem para oferecer. No dia seguinte parti para o Ruanda e foi como apanhar um elevador expresso para o inferno.
9:50
Este homem tinha acabado de ser libertado dum campo de morte hutu. Permitiu que eu o fotografasse durante bastante tempo, até virou a cara para a luz, como se quisesse que eu o visse melhor. Penso que ele sabia o que as cicatrizes na cara dele diriam ao resto do mundo. Desta vez, talvez confusa ou desanimada pelo desastre militar na Somália, a comunidade internacional manteve-se silenciosa e foram chacinadas cerca de 800 mil pessoas pelos seus compatriotas — por vezes pelos próprios vizinhos — usando utensílios agrícolas como armas.
10:27
Talvez por ter aprendido a lição, pela fraca reação à guerra na Bósnia e pelo fracasso no Ruanda, quando a Sérvia atacou o Kosovo, a ação internacional foi tomada muito mais decididamente. As forças da NATO avançaram e o exército sérvio recuou. Foram assassinadas pessoas de etnia albanesa, as suas quintas destruídas e muita gente foi deportada à força. Foram recebidas em campos de refugiados instalados por ONG na Albânia e na Macedónia. A marca dum homem que morreu queimado dentro de casa. A imagem recordou-me as pinturas das cavernas e fez-me pensar em como ainda somos primitivos, sob tantos aspetos.
11:12
Entre 1995 e 1996, fiz a cobertura das duas primeiras guerras na Chechénia, do interior de Grózny. Este é um rebelde checheno na linha da frente contra o exército russo. Os russos bombardearam Grózny constantemente durante semanas, matando sobretudo os civis que ainda estavam encurralados lá dentro. Encontrei um rapaz do orfanato local a vaguear pela linha da frente. O meu trabalho passara de estar preocupado sobretudo com a guerra para me concentrar também nas questões de crítica social. Depois da queda de Ceausescu, fui à Roménia e descobri uma espécie de "gulag" de crianças, onde se mantinham milhares de órfãos em condições medievais. Ceausescu tinha imposto uma quota quanto ao número de crianças que cada família tinha que ter, transformando o corpo das mulheres num instrumento de política económica do estado. As crianças, que não podiam ser sustentadas pela família, eram criadas em orfanatos do governo. As crianças com defeitos congénitos eram consideradas incuráveis, e reduzidas a uma vida em condições desumanas.
12:21
Quando as notícias vieram a lume, avançou mais uma vez a ajuda internacional. Mergulhando mais fundo no legado dos regimes da Europa de Leste, trabalhei vários meses numa notícia sobre os efeitos da poluição industrial, em que não tinha havido qualquer respeito pelo ambiente ou pela saúde quer dos trabalhadores quer da população em geral. Uma fábrica de alumínio na Checoslováquia estava cheia de fumo e poeiras cancerígenas e quatro em cada cinco operários apareciam com cancro.
12:53
Depois da queda de Suharto na Indonésia, comecei a explorar condições de pobreza num país que estava a caminho da modernização. Passei muito tempo com um homem que viva com a família num aterro ferroviário e tinha perdido um braço e uma perna num acidente de comboio. Quando foi publicada a história, choveram donativos espontâneos. Instituiu-se um fundo, e a família agora vive numa casa no campo com todas as necessidades básicas satisfeitas. Era uma história que não estava a tentar vender nada. O jornalismo tinha proporcionado um canal para o sentido natural de generosidade das pessoas e os leitores corresponderam. Encontrei um grupo de crianças sem abrigo que foram do campo para Jacarta, e acabaram por viver numa estação de comboio. Aos 12 ou 14 anos, acabaram em pedintes e drogados. Os rurais pobres tinham passado a ser os urbanos pobres e, no processo, tornaram-se invisíveis.
13:55
Estes viciados em heroína, em desintoxicação no Paquistão, fizeram-me lembrar personagens numa peça de Beckett, isoladas, à espera no escuro, mas atraídas pela luz. O Agente Laranja era um desfolhante usado durante a guerra do Vietname para impedir o refúgio ao exército vietcongue e norte-vietnamita. O ingrediente ativo era a dioxina, um químico extremamente tóxico que foi aspergido em enormes quantidades, cujos efeitos passaram para os genes da geração seguinte. Em 2000, comecei a documentar questões de saúde global, concentrando-me primeiro na SIDA em África. Tentei contar a notícia através do trabalho dos técnicos de saúde. Pensei que era importante sublinhar que as pessoas estavam a ser ajudadas, quer por ONG internacionais ou por organizações de base locais.
14:46
Nesta epidemia ficaram órfãs tantas crianças que as avós assumiram o papel de mães. Muitas crianças nasceram com HIV. Um hospital na Zâmbia. Comecei a documentar a estreita ligação entre o HIV/SIDA e a tuberculose. Isto é um hospital MSF no Camboja, As minhas fotos podem desempenhar um papel de apoio ao trabalho das ONG lançando luz nos problemas sociais críticos que elas tentam resolver. Fui para o Congo com os MSF e contribuí para um livro e para uma exposição que concentrava as atenções numa guerra esquecida em que tinham morrido milhões de pessoas, expostas a doenças sem tratamento, ou usadas como uma arma. Uma criança malnutrida a ser medida ao abrigo do programa de alimentação suplementar.
15:42
No outono de 2004, fui a Darfur. Desta vez, estava contratado por uma revista, mas voltei a trabalhar estreitamente com os MSF. A comunidade internacional ainda não tinha encontrado forma de criar a pressão necessária para deter aquele genocídio. Um hospital MSF num acampamento para deslocados. Tenho trabalhado num grande projeto sobre o crime e o castigo nos EUA. Isto é uma cena de Nova Orleães. Um prisioneiro numa prisão no Alabama foi punido sendo algemado a um poste sob o sol do meio-dia. Esta experiência levantou uma série de questões, entre elas questões sobre etnias e igualdade e sobre quem, no nosso país, tem acesso a oportunidades e opções. No pátio da prisão em Alabama.
16:37
Não vi nenhum dos aviões embater e, quando olhei pela janela, vi a primeira torre a arder e pensei que devia ter sido um acidente. Minutos depois, quando voltei a olhar e vi a segunda torre a arder, percebi que estávamos em guerra. No meio dos destroços no Ground Zero, tive uma revelação. Tinha andado a fotografar no mundo islâmico desde 1981, não só no Médio Oriente, mas também em África, na Ásia e na Europa. Quando andava a fotografar nesses diferentes locais, pensava que estava a cobrir notícias separadas, mas a história do 11/setembro cristalizou e percebi que tinha andado a fazer a cobertura duma única notícia, durante mais de 20 anos e o ataque a Nova Iorque era a sua última manifestação.
17:23
O bairro comercial central de Cabul, no Afeganistão no fim da guerra civil, pouco depois de a cidade cair para os talibãs. Vítimas de minas terrestres a serem ajudadas no centro de reabilitação da Cruz Vermelha dirigido por Alberto Cairo. Um rapaz que perdeu uma perna numa mina abandonada. Testemunhei imenso sofrimento no mundo islâmico, opressão política, guerra civil, invasões estrangeiras, pobreza, fome. Percebi que, no seu sofrimento, o mundo islâmico tinha estado aos gritos. Porque é que nós não os escutámos? Um combatente talibã alvejado durante uma batalha quando a Aliança do Norte entrou na cidade de Kunduz. Quando estava iminente a guerra com o Iraque, percebi que as tropas norte-americanas seriam bem cobertas, por isso decidi fazer a cobertura da invasão no interior de Bagdade. Um mercado foi atingido por um morteiro que matou vários membros duma única família. Um dia depois de as forças americanas entrarem em Bagdade, uma companhia de fuzileiros começou a cercar ladrões de bancos e foram aplaudidos pela multidão, um momento de esperança que durou pouco.
18:47
Pela primeira vez em anos, os xiitas puderam fazer a peregrinação a Karbala para festejar Ashura. Fiquei espantado com o grande número de pessoas e com o grande fervor com que praticavam a sua religião. Um grupo de homens a desfilar pelas ruas, cortando-se com facas. Era óbvio que os xiitas eram uma força a ser considerada e faríamos bem em compreendê-los e aprender a lidar com eles. No ano passado, passei meses a documentar as nossas tropas feridas, que saíam do campo de batalha no Iraque e voltavam para casa.
19:22
Isto é um helicóptero médico a tentar ressuscitar um soldado que fora ferido na cabeça. A medicina militar tornou-se tão eficaz que a percentagem de tropas que sobrevive a ferimentos é muito mais alta nesta guerra do que em qualquer outra guerra da nossa história. A arma emblemática da guerra é a bomba caseira e o ferimento emblemático é um dano grave nas pernas. Depois de aguentar uma dor extrema e traumas, os feridos enfrentam uma difícil reabilitação física e uma luta psicológica. O espírito que demonstram é absolutamente espantoso. Tentei colocar-me no lugar deles e fiquei completamente esmagado pela sua coragem e determinação perante uma perda tão catastrófica. Gente boa que foi colocada numa situação terrível por resultados questionáveis. Um dia, na reabilitação, comecei a falar de "surfing" e todos aqueles tipos que nunca tinham feito "surf" disseram: "Ei, vamos embora!". E foram fazer "surf".
20:33
Os fotógrafos vão aos limites extremos da experiência humana para mostrar às pessoas o que se passa. Por vezes põem em risco a vida, porque acreditam que as vossas opiniões e a vossa influência são importantes. Dirigem as fotografias aos vossos melhores instintos, a generosidade, o sentido do certo e do errado, a capacidade e a vontade de se identificarem com os outros, a recusa em aceitar o inaceitável. O meu desejo TED: Há uma história vital que tem que ser contada, e desejo que a TED me ajude a conseguir fazer isso e depois me ajude a arranjar formas inovadoras e excitantes de usar o fotojornalismo na era digital. Muito obrigado.
21:20
(Aplausos) [Para ajudar a concretizar este desejo, contactar: tedprize@ted.com]

domingo, 9 de outubro de 2016

NÃO BASTA DIZER QUE A MORTE É UMA CONDIÇÃO DA VIDA

Psicologia - Frase da semana, 09OUT16: NÃO BASTA DIZER QUE A MORTE É UMA CONDIÇÃO DA VIDA

«Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como os
brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte. Foi esse desencontro que Germano enfrentou ao enterrar o cantineiro Francelino Sardinha. Aquela cerimónia de despedida era um modo de pedir licença à morte para esquecer o morto.» (Mia Couto, "A Espada e a Azagaia, 2016, Editorial Caminho, p. 63)

— Tens medo de morrer?— Não é morrer que me dói. O que me dá tristeza é ficar morto.
Começa assim o "O Outro Pé da Sereia" de Mia Couto.
Em muitos dos seus livros, sempre mágicos…, Mia Couto fala da Vida e da Morte com palavras fáceis que ajudam os leitores a entender uma e outra.
Em “Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra”, o escritor começa precisamente assim a fascinante ficção:
«A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência. […] A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais para de morrer.”
Um pouco mais à frente, escreve outro pensamento, que volta a expressar no seu mais recente romance, a trilogia “As Areias do Imperador”; mas já lá vamos – ainda o Tempo e a Terra:
«Em África, os mortos não morrem nunca. Excepto aqueles que morrem mal. A esses chamamos de “abortos”. Sim, o mesmo nome que se dá aos desnascidos. Afinal, a morte é um outro nascimento.»
No “Jesusalém”, Mia Couto escreve:
«A vida só sucede quando deixamos de a entender. […] Eis a lição que aprendemos em Jesusalém: a vida não foi feita para ser pouca e breve. E o mundo não foi feito para ter medida.»
Agora, em “A Espada e a Azagaia”, o segundo volume da trilogia, o extraordinário cultivador do português com delicioso sabor moçambicano, como eu disse antes, volta à morte em África. Diz um dos seus personagens:
«Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como os brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte. Foi esse desencontro que Germano enfrentou ao enterrar o cantineiro Francelino Sardinha. Aquela cerimónia de despedida era um modo de pedir licença à morte para esquecer o morto.»
Antes, no primeiro volume da trilogia, Mia Couto fizera uma homenagem aos mortos que as injustiças e as desumanidades condenam a fazerem apenas parte de estatísticas e ocorrências históricas anónimas — alguns se salvarão pelo umbigo-testemunho dos seus familiares vindouros:
«A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.»
A mulher. A mulher africana. Será que alguém alguma vez a cantou, a louvou, a mostrou como Mia Couto?...

domingo, 2 de outubro de 2016

O GOSTO AMARGO DA AGRESSÃO, À VOLTA DA VIOLÊNCIA JUVENIL

Psicologia - Frase da semana, 02OUT16: O GOSTO AMARGO DA AGRESSÃO, À VOLTA DA VIOLÊNCIA JUVENIL

«Quando quem comete certas violências são jovens de 15 ou 16
anos, e até menos, parece claro que pais e mães devem questionar-se. Ter-se-á sido talvez demasiado condescendente com esta geração de filhos, muitas vezes únicos, a que se deu materialmente também demasiado? Um filho assemelha-se a um rio: precisa de uma direção e de duas margens.» (Marina Corradi 
In "Avenire", trad./adapt.: Rui Jorge Martins )

O texto é tão extenso, diversificado e analítico que não comento. Apenas digo que me parece uma reflexão muitíssimo interessante.
O gosto amargo da agressão
«Raparigas que frequentavam a minha escola gozavam com um rapaz com deficiência no autocarro, levando-o a fazer coisas estúpidas de que todas riam, ou então colocavam fora da janela o seu boneco preferido, fazendo-o acreditar que o tinham deitado fora, e ele chorava...»
Se na internet procurar por "histórias de "bullying" (intimidação)", esta é a mais "inocente" que se pode encontrar: uma criança com deficiência que chora porque os companheiros se riem dele e o fazem sofrer, ameaçando também o seu peluche. Há bem pior, humilhações, vexações e, como se não bastasse, gravadas por quem as comete.
Em agosto foi divulgada uma sondagem realizada pela UNICEF segundo a qual dois em cada três jovens de 18 países afirmavam ter sido vítimas de "bullying", e nove em dez afirmavam acreditar que esse é um problema generalizado nas suas comunidades. E em 2015 mais de um terço dos inquiridos num estudo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima admitia conhecer situações de crianças ou jovens vítimas de violência, mas menos de metade denunciou o caso.
Não estamos já perante episódios isolados, tratando-se antes de uma estranha crueldade que se espalha entre os mais jovens. O próprio Presidente da República de Itália pronunciou-se esta semana sobre o tema, referindo-se ao «odioso fenómeno de fúria contra quem não se conforma, ou simplesmemente é visto e perseguido como fraco ou como "diferente"».
Também nestes dias apareceu nos jornais e na internet a história de Emilie, jovem de 17 anos francesa que pôs termo à vida após uma longa série de perseguições na aula. Ela morreu mas os pais tornaram público o seu diário: é incrível como nenhum professor viu e como em casa ninguém se apercebeu de nada. Como é possível morrer-se aos 17 anos porque os companheiros te atormentam enquanto não te vestes, falas e és como eles?
A emergência de notícias de tragédias como esta, que não sucedem pela primeira vez, leva a geração dos adultos a colocar-se perguntas. Será que nós, quando jovens, éramos assim tão cruéis?, perguntamo-nos. E voltando atrás com a memória recordamos que também então havia os grupos, as divisões intransponíveis, os hábitos que marcavam a pertença a determinados bandos; que havia maldade e marginalização, frequente, dos mais tímidos; e todavia não recordamos que se chegasse a maltratar alguém com deficiência, a persegui-lo metódica e organizadamente como aquele que lemos hoje.
Parece quase que às novas gerações falta o sentido de um limite, de uma linha inultrapassável entre a brincadeira de mau gosto e a autêntica perseguição. E, ao mesmo tempo, que se tenha difundido em tantos uma espécie de perceção de impunidade, de tal maneira que não hesitam filmar as cenas que manifestamente os acusam.
É verdade que o advento dos telemóveis revolucionou também a adolescência, e um "smartphone" ou um computador na mão de rapazinhos podem tornar-se um jogo destrutivo. Mas para além das dramáticas derivas da agressão cibernética, permanece uma pergunta de fundo: esta crueldade espalhada, de onde vem e porquê?
Quando quem comete certas violências são jovens de 15 ou 16 anos, e até menos, parece claro que pais e mães devem questionar-se. Ter-se-á sido talvez demasiado condescendente com esta geração de filhos, muitas vezes únicos, a que se deu materialmente também demasiado? Um filho assemelha-se a um rio: precisa de uma direção e de duas margens.
Ora, lendo estas histórias, parece que a direção dada é muitas vezes confusa e faltam as margens. As margens, os limites inultrapassáveis, eram nas velhas famílias uma tarefa paterna; e talvez este nosso tempo, que combateu e atropelou tanto o pai como todo o princípio de autoridade, nos deixe agora ver o que resta, quando se destrói completamente um eixo fundamental da educação.
Ou até mesmo a desordem que vemos é o fruto de um elo interrompido na transmissão geracional: no domínio do relativismo absoluto alarga-se uma aura de incerteza sobre o que está bem e sobre o que está indiscutivelmente mal.
Contra a deriva do "bullying" «é necessário um grande pacto entre escola, família, forças da ordem, magistratura, mundo das comunicações sociais e do espetáculo. Uma ação conjunta, capaz não apenas de reprimir mas, sobretudo, de prevenir, com uma verdadeira e própria campanha educativa que chegue ao coração e à mente dos jovens», declarou o Presidente italiano.
Será bem-vinda esta ação conjunta, partilhada e incisiva. Sem esquecer que cada um de nós que tem filhos sabe o quão pouco se educa com as palavras, inclusive com as melhores; e quanto, ao contrário, com o próprio ser, com o que os filhos veem em nós.
Um rapaz que atormenta um companheiro mais fraco ou "diferente" - pela pele, pela personalidade ou por qualquer outro motivo - deverá, antes de tudo, colocar uma iniludível pergunta aos seus pais: onde e como aprendeu esse desprezo e esse amargo gosto de prevaricar, de humilhar. E apelar a uma resposta útil e reconstrutiva.

domingo, 25 de setembro de 2016

10 DE OUTUBRO, DIA MUNDIA DA SAÚDE MENTAL

Psicologia - Frase da semana, 25SET16: 10 DE OUTUBRO, DIA MUNDIA DA SAÚDE MENTAL

«O dinheiro não traz a felicidade, mas eu, se tivesse uma casa grande, um carro chique e um Tv plasma gigante, não me importava nada de ser infeliz.» 

É esta uma das muitas contradições, ou paradoxos que alimentam os actuais - como dizem os modernos jornalistas, comentadores-analistas, e tantos outros de estranhas e curtas vistas - "baixíssimos índices" índices de saúde mental das "desenvolvidas" sociedades humanas.
Sofremos por tudo, sobretudo por causa de tudo o que irracionalmente tornamos nossos desejos insaciáveis e "necessários"; e porque olhamos cada vez menos à nossa volta.
Mais alguns exemplos:
A sociedade moderna
: 
«Rainha completamente desprotegida...
ainda estás zangado com a tua mãe por ela não ter ido ver o teu recital de piano do quarto ano?»

 «Este koala-cria está com um problema de saúde mental...»

________________________
NOTA: Este apontamento foi escrito e publicado em 9 de Outubro de 2016

domingo, 18 de setembro de 2016

À ENTRADA DO ANO ESCOLAR: EINSTEIN SAÚDA OS ESTUDANTES

Psicologia - Frase da semana, 18SET16: EINSTEIN SAÚDA OS ESTUDANTES

Albert Einstein, portrait by Doris Ulmann, 1931.
Doris Ulmann/Library of Congress, Washington, D.C.
(LC-USZC4-4940)
«Faço votos para que esse sentido de entendimento fraternal se difunda cada vez mais entre os povos. É neste sentido que eu, que sou um velho, vos saúdo, cá de longe, e espero que a vossa geração possa um dia envergonhar a minha. » (Einstein, Carta aos Estudantes Japoneses, 1930, em Como Vejo a Ciência, a Religião e o Mundo, 2005, Relógio d'Água, p. 235)

Vai a caminho dos 90 anos, a idade da mensagem em que Einstein faz estes votos, dirigidos aos estudantes japoneses. A ideia da vergonha viria ainda, talvez, da memória da Primeira Grande Guerra; e também da grave crise económica que grassava pelo mundo.
Vem-me à cabeça fazer duas perguntas:
a primeira: onde estiveram, depois, entre 1943 e 1945, os estudantes japoneses que leram ou ouviram a mensagem do grande cientista?
a segunda: quantos dos estudantes que leram ou ouviram a mensagem se lembraram dela durante a Segunda Grande Guerra?
A mensagem completa diz assim:
«Ao enviar-vos a minha saudação sinto-me com particular direito a fazê-lo, pois visitei pessoalmente o vosso bonito país, as suas cidades e casas, as suas montanhas e bosques, e vi crianças japonesas que neles cultivam o seu amor pela pátria. Na minha mesa encontra-se sempre um grande e volumoso livro cheio de desenhos coloridos, feitos por crianças japonesas.
Quando receberdes a minha saudação, enviada de tão longe, lembrai-vos de que só o nosso tempo conseguiu que os povos dos vários países se interessassem uns pelos outros à luz de um espírito de verdadeira amizade e compreensão, enquanto os povos dos tempos passados se ignoravam uns aos outros ou até se temiam e odiavam.
Faço votos para que esse sentido de entendimento fraternal se difunda cada vez mais entre os povos. É neste sentido que eu, que sou um velho, vos saúdo, cá de longe, e espero que a vossa geração possa um dia envergonhar a minha.»
Uma terceira pergunta, a acabar - sabendo que, como Einstein desejou, é preciso continuar a desejar sempre, ano após ano, geração após geração, que a geração que entra seja, como cantou Miguel Torga, sempre muito mais pura e mais nova: quantas gerações, depois da de Einstein, não têm razões para se envergonharem do que fizeram?

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Aprender a estudar

Não considero romantismo bacoco valorizar o que no poema de Ary dos Santos é valorizado e defendido; e a velha dicotomia dos Rio Grande, afinal, conserva toda a sua pertinência.
Não, não é saudosismo!... Vivemos um tempo em que seremos salvos - nós, a Humanidade inteira - das maiores tragédias humanas de sempre, a que chegámos conduzidos pelos "espíritos iluminados" dos liberalismos financeiros e económicos; e pelos defensores dos rigores absolutos das ciências matemáticas e puras; dizia eu, seremos salvos pela criatividade e pela solidariedade humanas que se promovem com o espírito de aprender, estudar, conhecer e partilhar das perspetivas, poéticas e de vida, de Ary dos Santos e dos Rio Grande.
Numa época em que se procura, através do Ministério da Educação de Portugal, entregar à Matemática de vistas curtas a condução ditatorial do ensino público das crianças e dos jovens, é preciso mostrar que há outros que pensam de outras maneiras, há outros que têm propostas válidas e sustentadas a apresentar e a propor. Pedagogicamente válidas, cientificamente sustentadas, social, económica e ambientalmente viáveis.

domingo, 4 de setembro de 2016

À PORTA DE UM NOVO ANO ESCOLAR - QUEM VOU SER EU?

Psicologia - Frase da semana, 04SET16: À PORTA DE UM NOVO ANO ESCOLAR - QUEM VOU SER EU?

«Na minha idade, a perspectiva da vida já é impressionante porque se lhe vê o fim. […] Condenando-me e aos meus à austeridade em que me criei, numa família humilde de gente de trabalho. Mas compensando-me na intensa alegria com que ergui as pedras da minha obra científica e na “feliz independência do mundo e da fortuna” que, se me causam às vezes amarguras, sustentam sempre a paz da consciência.»

Estamos à porta de mais um ano lectivo, é um novo ciclo de relações humanas e de trabalhos na instituição social que, para o bem e para o mal, se tornou dominante da organização sócio-política das sociedades, sobretudo as mais desenvolvidas – a escola; a toda-poderosa escola. Cada vez mais distantes das tradições que, pouco a pouco, os diferentes grupos humanos e culturais foram estabelecendo no seu progresso civilizacional, a escola, no meu entender, corre o risco de liderar a degradação social, cultural e civilizacional dos grupos humanos.

Sim, eu sei que as perspectivas trágicas sobre o Futuro, vêm e vão, desde os tempos das mais distantes Antiguidades. Discutir este assunto pode ser um momento interminável… O meu pensamento é solitário, mas não é por isso que está sozinho. Personalidades que, desde que as conheci, se tornaram referências permanentes para mim, chamaram já a atenção para os riscos do abandono, do desprendimento — ou mesmo, desprezo — das tradições; Konrad Lorenz, João dos Santos e, é claro, Orlando Ribeiro.

Um dos sinais mais significativos da desvalorização das tradições passa, na vida das escolas, pelo cada vez maior procurado afastamento dos pais da vida das escolas, tornadas espaços de professores e alunos; os pais, esses, ficam, na melhor das hipóteses, à porta da escola, ou só devem comparecer nas escolas quando para tal forem chamados pelos professores – e normalmente é para fazerem queixas dos filhos e pedirem que lhes dêem educação em casa.

Tudo se torna um comércio de profissionais, o relacionamento básico, humano, entre os diversos adultos responsáveis pela educação e inserção das crianças nos grupos socias está cada vez mais deslaçado. A isto não é estranho o que, seja em Portugal, em França, na Alemanha, ou nos Estados Unidos, observamos de comportamentos cheios de violência radical entre jovens.

Na hora do regresso à escola, a minha intenção ao trazer este pedaço de uma carta escrita por Orlando Ribeiro a Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Gulbenkian, em 1961, é olhar ao que no balanço que fazemos, os professores, pode estar em causa: o respeito pelo nosso próprio magistério; o esforço de aperfeiçoamento e actualização científica; o sentido de obra comum, não solitária; o valor da família e a sobriedade dos comportamentos pessoais em razão do alto apreço que merece a profissão de professor; a independência mental e de cidadania; e, finalmente, o sentimento — tão saboroso! — de realização pessoal e de missão cumprida.

Como vai cada um de nós, nas condições actuais da Escola, da Profissão, do País e do Mundo, embarcar no ciclo de trabalho que está a começar?

Transcrevo agora, integralmente, o excerto da carta de Orlando Ribeiro a Azeredo Perdição:
«Na minha idade, a perspectiva da vida já é impressionante porque se lhe vê o fim. Há 39 anos preparava eu os meus primeiros “explicandos” para o exame de instrução primária, quando frequentava o 4.º ano do liceu (1); há 32 anos que me formei, logo a seguir fiz a minha “tarimba” no Colégio Infante de Sagres. Contando 4 anos de leitor na Sorbonne, sou docente universitário há 28 anos. Procurei. E talvez me iluda de ter conseguido, empilhar aquela traverseirinha de livros onde um homem de estudo um dia gostaria de descansar para sempre a cabeça. Mas procurei também — e isto estou certo de ter alcançado — reunir à minha volta um grupo de gente que não desmereça o intenso e honrado esforço com que tenho conduzido a minha vida científica. Condenando-me e aos meus à austeridade em que me criei, numa família humilde de gente de trabalho. Mas compensando-me na intensa alegria com que ergui as pedras da minha obra científica e na “feliz independência do mundo e da fortuna” que, se me causam às vezes amarguras, sustentam sempre a paz da consciência.» (2)
________________________
Fonte da fotografia:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6wdq6tth5TYiAonkiPJE_20BKak2JqHFAS2v9NGprBy6qRX4BBZx7EEE3AI9qlBbPpMJrG2U5KOEFhRCLNAhNu2J1cYARfXE76HlwgfZDfZgrVwg5WA3DnEiRkIBadByj_2_iISgFL-8/s1600/image001.jpg
(1) Corresponde ao actual 8.º ano de escolaridade.
(2) Orlando Ribeiro, "Universidade, Ciência, Cidadania - Organização e apresentação de Suzanne Daveau", 2013, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 251.

sábado, 3 de setembro de 2016

A TEORIA DE JOÃO DOS SANTOS — OS GRANDES PERIGOS

A TEORIA DE JOÃO DOS SANTOS — OS GRANDES PERIGOS


1. Estou a fazer, com o entusiasmo e empenho que posso, uma formação à distância, levada a cabo pela Universidade Federal do Ceará, designada “Introdução ao Pensamento de João dos Santos: Estudo sobre a Pedagogia Terapêutica”. Em boa hora alguém no Brasil teve a boa ideia de levar a cabo esta tão desafiante formação, lançando mão, na área da educação das crianças, ao património tão valioso que é a prática e os escritos de João dos Santos.

2. Há qualquer coisa de estranho na minha participação, já que, sozinho, devo ter quase sempre o dobro e algumas vezes o triplo da idade dos meus colegas formandos.

3. Alguma coisa me dizia que, mesmo não sendo para a minha idade, eu deveria participar — e isto, repito, para além do entusiasmo e da vontade de o fazer. Alguma coisa dentro de mim mesmo, nas zonas não conscientes da minha mente, nada de sobrenatural, em que não acredito.

4. Tomei consciência hoje, de forma muito clara — como dizem os psicólogos que estudam o pensamento, tive um poderoso ‘insight’ —, das razões mais inconscientes da minha participação.

5. A busca das razões inconscientes dos meus actos foi precisamente uma sistemática atitude que modelei na aprendizagem, no contacto, no relacionamento pessoal que mantive com o meu querido mestre, desde que o conheci, numa aula no Hospital Júlio de Matos, em 1979, até poucos dias antes de ele morrer, em 1987. 8 anos, portanto. A esta distância, poderá não parecer muito tempo, mas se pensar na intensidade com que os vivi, foram, na verdade, anos muitos e saborosos, deixando em mim uma marca que influenciou definitivamente a maneira de ser e de pensar.

6. Na formação em que estou envolvido, iniciada a 22 de Agosto passado e que se prolongará até Dezembro, tenho procurado ler e reler o que os meus colegas escrevem; e já vi duas vezes, integralmente, a aula de abertura do curso de formação, para isso usando as muito úteis ferramentas da Internet, neste caso, o Youtube.

7. Leio, e releio; vejo, e revejo; penso, e repenso. Reconheço, em tudo isso, as palavras do meu mestre; os meus colegas formandos e formadores denunciam que transbordam em entusiasmo, em afectos gostosos, em muito ingénua e sincera vontade de aprender, ensinar e partilhar.

8. Acontece que, se mantenho a tal sistemática atenção a tudo o que sinto, a tudo o que se desencadeia em mim, eu reconheço uma aflição, eu tomo consciência de que qualquer coisa me escapa; e que isso faz-me sentir de alguma forma isolado.

9. Os elogios dos colegas e dos formadores sabem-me bem; as manifestações de gratidão também; os comentários, tantos feitos com tanto a-propósito mostram que a mensagem que quis passar chegou intacta a quem se dirigia. Então, qual a razão desse sub-reptício incómodo?

10. Foi precisamente no meu diálogo interior com João dos Santos buscando quase avidamente aqui e ali nos seus escritos e nos meus apontamentos que eu encontrei o esclarecimento que procurava e que reduziu a minha ansiedade, trazendo-me outra vez à vivência pessoal actual aquele momento do primeiro exame que fiz com ele e em que ele me perguntou: «O que fazermos perante a ansiedade?» e eu lhe respondi em duas palavras, prontamente: «Procuramos reduzi-la.»

11. Precisamente hoje de manhã, encontrei num alfarrabista uma obra que tem uma introdução escrita por João dos Santos (eu tenho outras duas edições desta notável obra; a que hoje encontrei é a única em dois volumes), o preço era muito tentador; comprei-a, evidentemente. Na estação de Metro da Baixa-Chiado, esperando pela composição que me traria de volta a casa, reli o prefácio — o tal texto escrito por João dos Santos — e “Paf!... Está aqui! É isto mesmo!...”

12. A quatro linhas de acabar o prefácio, João dos Santos escreve: «Não se educa com teorias, mas com os princípios e preconceitos adquiridos na experiência e no convívio familiar e comunitário.» (1)

13. Ora é isto mesmo que faz a grande diferença entre mim e a generalidade dos meus colegas formandos! Para eles, João dos Santos é um personagem teórico, que conhecem através das extraordinárias palavras que ele escreveu e nos deixou em legado; por isso conseguem sentir em relação a ele — com toda a sinceridade, com toda a bondade — o carinho e o afecto que as palavras neles despertam. Eu serei o único em que o carinho e o afecto vem directamente da relação e do diálogo e, por isso, as palavras em mim prolongam o que tive o privilégio de conhecer em pessoa, na relação directa, dos olhares, das conversas, dos gestos, dos abraços; das comidas e das bebidas; dos passeios deambulantes. No fundo, o que leio traz-me de volta a sua presença, a sua voz e os seus silêncios, os seus gestos, o seu olhar; o jeito com que compunha o bigode, e que me inspirei para chegar ao meu. Por isso o leio e releio, para o ter sempre junto a mim.

14. Sinto com a mais profunda convicção que João dos Santos nunca desejou tornar-se uma referência teórica, fosse do quer que fosse. E noutras partes desta formação disse já algumas coisas sobre o que ele pensava das teorias, e mais certamente virei ainda a dizer.

15. Agora tomo consciência inabalável que tenho tentado insuflar (que fantasia de omnipotência, deus meu!...), nos fóruns de discussão da formação, vida ao personagem notável que é a razão do curso que estamos a frequentar. A ideia é possibilitar aos meus colegas, tanto quanto me seja possível, a realidade palpável do personagem que dá nome à formação; quiçá mesmo, fazer todos sentir que João dos Santos está ali a o lado a respirar tranquilamente, a falar e a fazer os tão significativos silêncios.

16. Noutro dos seus fascinantes escritos, João dos Santos escreve «Educador é para mim aquele que é susceptível de se apresentar e de ser aceite como modelo de pessoa. Pedagogo é aquele que é capaz de estimular os seus alunos descobrir, a completar ou a desenvolver as aquisições do património cultural da sua comunidade.» (2) Algumas linhas abaixo, discutindo se Henry Wallon, o seu grande mestre, teria sido um pedagogo (um pouco como João dos Santos é ou não pedagogo para nós), escreve ele: «Permito-me relatar a propósito a história dum encontro que tive aqui em Paris nessa época, há uns 30 anos com um meu amigo, o físico Valadares e com o professor brasileiro Chagas Filho, um biólogo eminente que estuda o desenvolvimento e características do sistema nervoso de certos peixes. Falávamos de professores, de ensino e de pedagogia. Chagas afirmava: “quando um professor de matérias científicas fala muito de pedagogia, acontece que nada ensina aos seus alunos, e que não sabe ensinar!” Wallon não falava de pedagogia, ensinava matéria científica.» (3)

17. É daqui precisamente que vêm os perigos do que fizermos com o legado, ou a “teoria” de João
dos Santos: fixarmo-nos nas palavras — “cristalizarmo-nos”, como tanto gostava João dos Santos de dizer! —, esquecendo-nos que elas não valem por si mesmas, mas valem pelas circunstâncias pessoais, internas e externas, que levaram a que um ser — humano, pensante e reflexivo —, as escolhesse, até em detrimento de outras. Mesmo para João dos Santos não era fácil essa escolha. A fotografia que junto a este texto mostra quanto, por vezes, ele tinha de limar, burilar, para que as palavras servissem satisfatoriamente o seu pensamento.

18. É como se eu agora o ouvisse dizer-nos: «Sim, eu não acredito no que digo, mas admito que as minhas palavras tenham alguma importância, afinal, tantos anos que levo deste magistério, depois dos iniciais tempos de aprendiz de feiticeiro — que, em boa verdade, continuo a ser —, é mesmo possível que tenha escrito qualquer coisa de interessante e útil para as pessoas, que lhes valha a pena lerem. Perguntem ao meu filho Luís, pois, como também deixei escrito, «Um dia dei a ler ao Luís um dos meus trabalhos científicos. Quando acabou disse ele: “Oh! Pai, porque é que não escreve para as pessoas?” (4) Que achas agora, Luís, consegui fazer o que me sugeriste?»

19. Nas tais quatro últimas linhas do tal prefácio escrito por João dos Santos, ele afirma que acredita no diálogo que os leitores possam fazer com os autores. Assim: «Talvez que o diálogo que os leitores possam mentalmente estabelecer com os autores deste livro possa contribuir para a vossa compreensão de que a educação não é uma matéria que se ensina, mas uma atitude que reflecte o confronto das vivências do educando que fomos com as do educador que pretendemos ser.»

20. Muito em breve escreverei um outro texto, que este já vai longo. A esse texto darei o título seguinte: “A Teoria de João dos Santos — Vencer os Grandes Perigos”.
________________________
(1) João dos Santos e al., "A Educação da Criança, problemas quotidianos", 2.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, 1974, p. XVI.
(2) João dos Santos, "Ensaios sobre Educação - II, o falar das letras", 2.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, p. 283.
(3) João dos Santos, "Ensaios sobre Educação - II, o falar das letras", 2.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, pp. 283-4.
(4) João dos Santos, "Ensaios sobre Educação - II, o falar das letras", 2.ª ed., Lisboa, Livros Horizonte, p. 19.

domingo, 28 de agosto de 2016

28AGO16: OBSERVAR, REFLECTIR, OPINAR

Psicologia - Frase da semana, 28AGO16: OBSERVAR, REFLECTIR, OPINAR

«A base da minha educação científica é a observação [...] Ao ritmo imperceptível de transformações, que a observação sugere mas só o espírito reconstitui, decorre o mais profundo da história humana, aquela que não tem datas nem personagens e flui obscuramente, através da vida popular, do princípio dos tempos até hoje. Esta é a outra raiz da minha vocação.» (Orlando Ribeiro, geógrafo)

O apontamento de hoje será, ao contrário do que é costume, e ao contrário do que é meu desejo,
marcado por preocupações muito presentes, presas de ocorrências circunstanciais.
Há uma aflição em mim: a demasiada facilidade, a raiar a irresponsabilidade, com que estudiosos e profissionais de vários campos científicos apresentam - tantas vezes de forma bem assertiva! - afirmações, teses e decisões tão mal-informadas! Quer dizer, o espírito actue com demasiada e essencialmente incorrecta ligeireza.
«O gosto da Geografia devo-o ao amor da natureza e da vida no campo, desenvolvidos em longos passeios a pé, que dava nos arredores de Viseu.»
Possuímos abundantes testemunhos de que Orlando Ribeiro dizia assim, era assim, fazia assim. Talvez nas áreas da História e da Psicologia das Tradições, dos Costumes; das Religiões e da Educação, a observação seja mais difícil. Haverá menos evidências objectivas, os sujeitos serão mais activos e menos passivamente expostos aos olhos de quem os olha; e do seu passado se guardarão menos testemunhos concretos, materiais. Pois bem, por isso mesmo nessas áreas a observação deve ser mais cuidadosa, mais humilde, menos arrogantemente assertiva!
«O geógrafo com a variedade e convergência de matérias que utiliza, tem de ser uma pessoa cientificamente bem relacionada. Por isso, procurei apoio em disciplina próximas das duas faces da geografia.»
Que avisada e sábia recomendação. E que humildade!
Os cidadãos, em geral, merecem o respeito da opinião bem informada; afinal, tudo em que os estudiosos e os especialistas tocam têm a ver directamente com a vida dos Povos, e da relaçãos dos Povos com os ambientes de vida.
Se, como dizia João dos Santos, «Educar é oferecer-se como modelo», Orlando Ribeiro foi, e é, um modelo imensamente rico de ensinamentos.
________________________

domingo, 21 de agosto de 2016

NUNCA VISTE NENHUM GNOMO VIVO, NÃO VISTE MESMO?

Psicologia - Frase da semana, 21AGO16: NUNCA VISTE NENHUM GNOMO VIVO, NÃO VISTE MESMO?
«Ainda há gnomos, mas escasseiam muito mais do que no meu tempo de criança. Há quem diga não ter visto nunca um gnomo vivo. Lastimo sinceramente essa gente, pois deve ter a vista defeituosa ou os olhos cansados por ler em demasia.» (Axel Munthe, "O Livro de San Michele, 6.ª ed., Lisboa, Livros do Brasil, 1965?, p. 18)

Ou - talvez dissesse o médico sueco, se reescrevesse o "Novo prefácio" do seu tão famoso livro - por se entreter com televisão e jogos de computador em demasia.
Numa reedição ainda muito próxima da primeira, e depois de o livro ter já sido traduzido para outras língua, Munthe rebate a opinião de "um famoso autor inglês", que chama à História de San Michel o "Livro da Morte".
Educadamente, atentamente, Munthe começa por condescender que sim: «Talvez seja assim, pois raras vezes a morte deixa o meu pensamento".» E logo a seguir argumenta com a autoridade de um génio do Mundo, Michelangelo: "Non nasce in me pensier che non vi sia dentro scolpita la morte." (Não nasce em mim pensamento em que dentro não seja esculpida a morte). Alguns parágrafos mais à frente, finalmente, afirma decididamente a sua convicção:
«O Livro de San Michele é o livro da vida. A vida é a mesma; é com o era dantes, pois não a variaram nem o tempo nem o destino, e permanece indiferente às penas e às alegrias dos homens, misteriosa e inexplicável como a Esfinge; mas o Mundo em que vivemos, o cenário da tragédia, é constantemente transformado pela mão do grande Director de Cena, para que os espectadores não se cansem do monótono melodrama, correndo sem sentido atrás da felicidade. O Mundo onde vivíamos ontem não é o mesmo em que vivemos hoje; marcha sem descanso por seu funesto caminho, através do infinito, até à destruição, como nós mesmos Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, disse Heráclito.Há homens que andam de gatas, outros montam a cavalo ou correm em automóvel, alguns cruzam os ares à altura dos pombos-correios. Não é necessária tanta pressa, pois todos podemos estar certos de chegar a tempo à mesa da peregrinação.» (ibidem, p. 17)
Axel Munthe nasceu em 1957, viveu a passagem do século XIX para o século XX, testemunhou a tragédia da 1.ª Grande Guerra, a Grande Crise Mundial dos finais dos anos 20. Testemunhou também grandes progressos tecnológicos e científicos.
O Livro de San Michele teve a sua primeira edição em 1929, altura em germinava a 2.ª Grande Guerra. Será que Munthe a adivinhou?
________________________

domingo, 14 de agosto de 2016

TODOS SOMOS UM DIA O APURADO E SENSÍVEL ENTENDIMENTO DO PENSAMENTO JUVENIL DE FIODOR DOSTOIEVSKY

Psicologia - Frase da semana, 14AGO16: TODOS SOMOS UM DIA O APURADO E SENSÍVEL ENTENDIMENTO DO PENSAMENTO JUVENIL DE FIODOR DOSTOIEVSKY

Mikhail, o irmão de Fiodor
«Para saber mais, é preciso sentir menos, e vice-versa... A natureza, a alma, o amor, e Deus, a gente reconhece-os através do coração, e não através da razão. Se fôssemos espíritos, poderíamos manter-nos naquela região de ideias em que as nossas almas pairam, buscando a solução. Mas nós somos seres nascidos da terra, e só podemos supor na Ideia - não a agarrando por todos os lados ao mesmo tempo. O guia para as nossas inteligências, através da ilusão temporária para o mais profundo âmago da alma, chama-se Razão. Ora bem, a Razão é a capacidade material, enquanto a alma ou o espírito vive sobre os pensamentos que são sussurradas pelo coração. O pensamento nasce na alma. A razão é uma ferramenta, uma máquina, que é conduzida pelo fogo espiritual. Quando a razão humana... penetra no domínio do conhecimento, ele funciona de forma independente do sentimento, e, consequentemente, do coração.» (1) (Fedor Mikhaïlovitch Dostoïevski, aos 16 anos de idade, numa carta para o seu irmão)

Estou cada vez mais seguro desta minha crença, mesmo que não passe disso mesmo - uma crença. Na adolescência, até a mais animal da biologia da nossa espécie nos empurra para a mais matizada e reactiva sensibilidade - e que bom é que assim seja! Esta sabedoria juvenil - não imatura! - é cada vez mais desvalorizada e desprezada pelos grandes decisores da organização escolar pública e da vida social e económica. A sensibilidade, em geral, e as apetências, em particular, dos jovens estão cada vez mais vigiadas, e escalpelizadas por especialistas do comportamento humano, cientes do potencial de influência a que os jovens estão muito facilmente aderentes, e cientes também do que desejam inculcar nas motivações e nos desejos dos jovens, de maneira a atraí-los, enquanto consumidores, a objectos de consumo altamente lucrativos para quem os produz.
Surgiu ontem na imprensa portuguesa a notícia de que o actual Governo vai criar uma comissão para criar o perfil do aluno no 12.º ano... Um produto sofisticado da hiper-exigente e hiper-complexa Economia de Mercado.
Para quando, na verdade, apostar no natural desenvolvimento psico-afectivo das crianças e dos jovens e das suas assombrosas capacidades reflexivas e criativas, sejas as alimentadas pelo que os especialistas desigam por 'pensamento convergente' e 'pensamento divergente'? Por que razões Piaget, Freud e outros tão condicionados ficaram pela fascinante dinâmica cognitiva e afectiva da adolescência?
Tão exigente é para o jovem o balanceamento entre a Razão e o Coração!... Tão importante é o prudente, discreta e sábia palavra; e o congruente exemplo do educador e do pedagogo! Que confiança, respeito e margem de liberdade tem o educador, o professor, o pedagogo, hoje em dia nas nossas sociedades?

________________________
(1) «To know more, one must feel less, and vice versa… Nature, the soul, love, and God, one recognizes through the heart, and not through the reason. Were we spirits, we could dwell in that region of ideas over which our souls hover, seeking the solution. But we are earth-born beings, and can only guess at the Idea — not grasp it by all sides at once. The guide for our intelligences through the temporary illusion into the innermost centre of the soul is called Reason. Now, Reason is a material capacity, while the soul or spirit lives on the thoughts which are whispered by the heart. Thought is born in the soul. Reason is a tool, a machine, which is driven by the spiritual fire. When human reason … penetrates into the domain of knowledge, it works independently of the feeling, and consequently of the heart.»

domingo, 31 de julho de 2016

Psicologia - Frase da semana, 31JUL16: TANTO VIAJAR! PROCURA DOS OUTROS OU FUGA DE NÓS MESMOS?

«Tanto aquilo que me escreves como o que oiço dizer de ti fazem-
me ter boas esperanças a teu respeito: não viajas continuamente nem te deixas agitar por constantes deslocações. Um semelhante deambular é indício duma alma doente: eu, de facto, entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz de parar e de coabitar consigo mesmo.» (SÉNECA, Lúcio Aneu - Cartas a Lucílio. 3.ª ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. LIV, 713, [2] p. )

Trazer à partilha uma opinião assim, à entrada (à saída, para outras pessoas) do tradicional mês de férias pode soar a mesquinha censura; mas olhem que não!, olhem que não!... Sendo assim, porque um longo período de férias é um bem adquirido direito dos cidadãos das sociedades essencialmente organizadas à volta da ideia da Economia de Mercado, não acrescentarei mais nada a esta semanal proposta de reflexão, senão o seguinte:
nas viagens que façamos, tomemos atenção aos sinais de Stop - os reais e os que possamos imaginar, sinais que desde há muitos anos, nas passagens de nível dos comboios ou em ambientes, os mais improváveis, nos avisam com mensagens (também reias ou metafóricas) do género: "Pára, escuta e olha.", e "Mesmo no deserto, Stop é para parar."

________________________
(1)

TANTO VIAJAR! PROCURA DOS OUTROS OU FUGA DE NÓS MESMOS?

Psicologia - Frase da semana, 31JUL16: TANTO VIAJAR! PROCURA DOS OUTROS OU FUGA DE NÓS MESMOS?

«Tanto aquilo que me escreves como o que oiço dizer de ti fazem-
me ter boas esperanças a teu respeito: não viajas continuamente nem te deixas agitar por constantes deslocações. Um semelhante deambular é indício duma alma doente: eu, de facto, entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz de parar e de coabitar consigo mesmo.» (SÉNECA, Lúcio Aneu - Cartas a Lucílio. 3.ª ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. LIV, 713, [2] p. )

Trazer à partilha uma opinião assim, à entrada (à saída, para outras pessoas) do tradicional mês de férias pode soar a mesquinha censura; mas olhem que não!, olhem que não!... Sendo assim, porque um longo período de férias é um bem adquirido direito dos cidadãos das sociedades essencialmente organizadas à volta da ideia da Economia de Mercado, não acrescentarei mais nada a esta semanal proposta de reflexão, senão o seguinte:
nas viagens que façamos, tomemos atenção aos sinais de Stop - os reais e os que possamos imaginar, sinais que desde há muitos anos, nas passagens de nível dos comboios ou em ambientes, os mais improváveis, nos avisam com mensagens (também reias ou metafóricas) do género: "Pára, escuta e olha.", e "Mesmo no deserto, Stop é para parar."

________________________
(1)

domingo, 10 de julho de 2016

AMAR É COMO TIRAR A CARTA DE CONDUÇÃO

Psicologia - Frase da semana, 10JUL16: AMAR É COMO TIRAR A CARTA DE CONDUÇÃO


«If monkeys have taught us anything, it’s that you’ve got to learn how to love before you learn how to live.» (Harry Harlow, This Week, March 3, 1961)
(Se os macacos nos ensinam alguma coisa, é que temos de aprender a amar antes de aprendermos a viver)

«A vida é como andar de bicicleta - explicou um dia Einstein ao filho -, para manteres o equilíbrio tens de continuar a pedalar.» Eu direi: «Amar é como aprender a conduzir, se depois de tirares a carta de condução, não continuares a praticar, vais acabar por esquecer.» Mais, acabamos por ter medo da simples ideia de voltar a pegar num carro!
Dramaticamente, a história pessoal de Harry Harlow será exemplo agudo da desaprendizagem do amor - pelos outros e por si mesmo; absurdamente, depois dos conhecimentos tão preciosos que a sua vida de investigador nos trouxe a todos! Que terá corrido mal?... A falta de equilíbrio? O excesso de velocidade num condutor esquecido dos gestos básicos?...
«The nature of love is about paying attention to the people who matter, about still giving when you are too tired to give. Be a mother who listens, a father who cuddles, a friend who calls back, a helping neighbor, a loving child.» (1)
(A natureza do amor tem a ver com dar atenção às pessoas que verdadeiramente importam; tem a ver com continuar a dar mesmo quando estamos demasiadamente cansados de dar. Ser a mãe que escuta os filhos, ser o pai que pega nos filhos ao colo e lhes dá mimos, ser o amigo que volta a ligar, ser o vizinho colaborador, ser uma criança carinhosa)
 Harlow, ainda a propósito do amor, e de tudo o que dizemos sobre o tema, deixa-nos um aviso, numa carta esctrita a um amigo: «Perhaps one should always be modest when talking about love.» (Talvez tenhamos de ser sempre modestos quando falamos de amor)
________________________
(1)  "The nature of love is about paying attention to the people who matter, about still giving when you are too tired to give. Be a mother who listens, a father who cuddles, a friend who calls back, a helping neighbor, a loving child. That emphasis on love in our everyday lives may be the best of that quiet revolution in psychology, the one that changed the way we think about love and relationship almost without our noticing that had happened. We take for granted now that parents should hug their children, that relationships are worth the time, that taking care of each other is part of the good life. It is such a good foundation that it’s almost astonishing to consider how recent it is. For that foundation under our feet we owe a debt to Harry Harlow and to all the scientists who believed and worked toward a psychology of the heart. At the end, in Harry’s handiwork, there’s nothing sentimental about love, no sunlit clouds and glory notes—it’s a substantial, earthbound connection, grounded in effort, kindness, and decency. Learning to love, Harry liked to say, is really about learning to live. Perhaps everyday affection seems a small facet of love. Perhaps, though, it is the modest, steady responses that see us through day after day, that stretch into a life of close and loving relationships. Or, as Harry Harlow wrote to a friend, “Perhaps one should always be modest when talking about love.”" Deborah Blum, 2002, 2011. Love at Goon Park: Harry Harlow and the Science of Affection, Perseus Publishing,

domingo, 26 de junho de 2016

ESTAMOS A MATAR OS SONHOS DOS NOSSOS FILHOS

Psicologia - Frase da semana, 26JUn16: ESTAMOS A MATAR OS SONHOS DOS NOSSOS FILHOS

«Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma
fábrica de incultos sem respeito pela memória. [...] Quando era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. Quem não tiver a liberdade de errar na juventude, nunca se tornará um ser humano completo.» (George Steiner, Visão, n.º 1218, edição 7 a 13/o7/2916, pp.10-12)

Noutro apontamento falarei sobre o que George Steiner diz nesta entrevista sobre a memória.
Por agora quero centrar-me no eco do seu pensamento sobre a educação e o futuro das gerações mais jovens, as que sucessivamente as gerações mais velhas vão educando.
  1. Olhando a educação oficial que grassa pelo Mundo, estou inteiramente de acordo com Steiner: no nosso País, aponto claramente o dedo a decisores oficiais, tais como: Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada, Nuno Crato, mais outras eminências pardas da Educação e do Ensino oficial, e as suas equipas de "sábios" e "especialistas".
  2. É verdade, esquecemo-nos que, afinal... errar é humano!
  3. Há erros das crianças e dos jovens que, oficialmente, se foram tornando intoleráveis nas escolas e que complexos regulamentos e procedimentos administrativos e burocráticos disfarçam por baixo do manto diáfano da "democracia tolerante" e das perversas "sucessivas oportunidades" dadas aos alunos faltosos e suas famílias
  4. A figura dos gabinetes de disciplina em tantas escolas acumula tantas e tantas histórias absurdas e surreais!...
  5. Entretanto, à custa de tantas horas subtraídas aos direitos da família e do descanso pessoal, muitos professores e directores de turma resistem e insistem em autênticas acrobacias pedagógicas para manter o grande sentido de humanidade na relação pessoal com os seus alunos, naquela dimensão que verdadeiramente alimenta os afectos positivos e promove os valores do respeito pelo outro, do companheirismo e da solidariedade.
«Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa os seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.» (p. 11)
George Steiner não é um oráculo a quem tudo se pergunte e a tudo responda com saber consolidado.
Terá 12000 livros na sua biblioteca, o que me faz pensar que, ou faltam-lhe, mesmo assim, alguns (bons) livros sobre Psicanálise, ou tem-nos lá mas nunca os leu - é que o que ele diz na entrevista sobre a Psicanálise é de um muito lamentável, irritado e estereotipado preconceito. Enfim, é o seu direito a errar; e, como diz o Povo, aprender até morrer.
[texto publicado em 07Jul2016]