domingo, 29 de junho de 2014

Segunda história – À procura do meu avô, encontrei-o e encontrei um pouco mais da minha família. E tomei contacto com outra vida – notável!...

Andei cem metros. E quantas histórias encontrei?...
           
27 de Junho de 2014, sexta-feira. Ali perto da Praça da Armada (em Lisboa).
Segunda história – À procura do meu avô, encontrei-o e encontrei um pouco mais da minha família. E tomei contacto com outra vida – notável!...
A edição da "Ilustração Portuguesa" é
de 19 de Março de 1917. O registo oficial
do meu avô no C.E.P. é de 14 de Março
desse ano. Não mostrando a fotografia
o meu avô, mostra como ele
foi para França, para a Flandres.
A coisa começou por não correr bem. Entrei no Arquivo Histórico da Gê-éne-érre. As escadas são rijas de subir, desagradáveis… A chegar à porta, ansiosamente olhando se os serviços já estariam abertos ou não, sai um sujeito jovem que, assim que me vê, decide ficar à espera que eu vença os últimos degraus e segura-me a porta aberta. Apresso o passo, passo desagradável porque esforçado, agradeço ao jovem tão simpaticamente quanto posso, e entro. Nitidamente, à esquerda, o Arquivo e à direita a Biblioteca; não vejo ninguém, está tudo escuro; chamo por alguém, é um acolhimento que desperta incómodo, redobro a atenção e o cuidado. Finalmente aparece alguém, traz cara de que eu estou onde não devia estar. Cumprimenta-me e pergunta-me o que quero. “Se calhar, entrei antes de tempo… O senhor desculpe-me, mas foram tão simpáticos a segurar a porta e a deixarem-me entrar que eu pensei que os serviços estivessem já abertos, se quiser, eu saio e entro depois à hora de abrir..." ”Não faz mal… já que já cá está, entre, venha comigo aqui para este lado…”
Dali a pouco tempo este senhor iria trazer-me boas notícias, mas por esta altura eu estou um pouco tenso e ainda antes das boas notícias vou ficar angustiado. Tenso porque não gosto de ser apanhado em incumprimento por quem não me conhece, não quero que pensem que sou desrespeitador ou que me sinto mais importante que os outros; angustiado porque o senhor que eu segui demorou muito tempo a trazer-me aquilo que eu queria, eu já temia que, afinal, não iria ter acesso às informações sobre o meu avô.
Foi crucial, para que as coisas corressem bem, a fotografia que tirei no Arquivo Geral do Exército da ficha que é o rasto que o processo do avô Branco lá deixou … O sargento-ajudante que cuidou do meu pedido no velho Convento de São Félix avisou-me que, com a mudança de Arquivo (do Exército para a G.N.R.) poderia não ser fácil encontrar o processo que eu procurava. Foi pensamento que o senhor cabo Pinto Alves me confirmou: “O senhor fez bem em trazer essa informação, se não nos dissesse em que caixa estava, a gente não sabia onde procurar…” Mesmo assim, enquanto esperei, sentado na cadeira que ele me indicou, ali ao pé da sua secretária, o meu nervosismo aumentou. Percebi que o senhor procurava mas não encontrava; e naquela altura ainda não me tinha apercebido se o senhor se ocupava comigo com razoável disponibilidade ou contrariado… Aquela minha entrada antes da hora de abertura ao público talvez o tivesse irritado e prejudicado a disponibilidade em me ajudar.
Finalmente o senhor chegou ao pé de mim. Sim, trazia um pequeno dossier nas mãos! Pediu-me que confirmasse se era aquela pessoa que eu queria. Verifiquei alguns papéis, Sim, era aquele!
O senhor Pinto Alves pediu-me, então, que me identificasse e preenchesse uma ficha para registos de consultas. Foi provavelmente nesta altura que a cordialidade se soltou definitivamente e sobre uma história – o acesso ao registo oficial da vida do avô Branco há cem anos atrás – aconteceu outra história; e é esta história que insinuo agora neste texto. Noutra história, a publicar depois aqui no blogue, contarei a experiência de acesso aos dados da vida do meu avô.
Não, não me podiam dar cópia de todos os documentos do processo; as fotocópias não se pagam – por enquanto! -, por isso eu poderia escolher 2 ou 3 documentos para fotocopiar, mas todos não era possível.
Pedi uma mesa para ver os documentos, lê-los e tomar notas. Foi com emoção que olhei a fotografia, em sépia, do avô Branco fardado! Penso que nunca tinha visto aquela fotografia.
Por razões que nunca sabemos exactamente o que as determina, aconteceu que antes de dar satisfação à ânsia de consultar os documentos do meu avô me vi à conversa com quem sentia ter-se transformado, naquele momento, num muito cordial e disponível anfitrião do Arquivo Histórico. Aos poucos, o meu interlocutor foi desfiando apontamentos de uma vida cheia de histórias que enriquecem o património da diversidade da experiência humana.
A certa altura dou-me conta de estar a pensar que o acesso às informações – tão desejadas! – sobre o meu avô estava garantido e que o essencial da descoberta do dia também estava garantido. Saboreei a consciência de que ali poderia voltar noutra altura. O momento que estava ali a acontecer – a conversa com o cabo Pinto Alves – era, em si, um tesouro que valia a pena fruir; e poderia não voltar a haver outra oportunidade como esta .
Momentos de infância, de sonho de jovem empenhado na construção do seu futuro, as reacções pessoais aos acontecimentos impostos pela vida, a marca do 25 de Abril; a família, os filhos e as traições da saúde. A valorização académica e profissional; e as opções pessoais inevitáveis. O futuro. Sim, o futuro ainda é muito amplo e proporcionador de muitas oportunidades.
“Senhor Pinto Alves, espero bem que depois das férias, no próximo ano escolar, se concretize a oportunidade de um dos meus alunos o ter como sujeito do seu trabalho monográfico. Pessoalmente, vou empenhar-me nisso.”
Por isso eu disse que agora apenas "insinuaria" a história: o desenvolvimento que ela merece, se tudo correr bem, acontecerá a partir de Setembro, na forma de um trabalho monográfico de um aluno de Psicologia da Escola Secundária Eça de Queirós.

sábado, 28 de junho de 2014

Primeira história – Atraído Por Velhos Grãos De Café

Andei cem metros. E quantas histórias encontrei?...

27 de Junho de 2014, sexta-feira. Ali perto da Praça da Armada (em Lisboa).

Primeira história – Atraído Por Velhos Grãos De Café

Sinalizada com um discreto rectângulo vermelho
está a casa dos meus avós em Abrantes
Fui ao Arquivo Histórico da G.N.R. Fui à procura da história do meu avô Branco na Primeira Grande Guerra. (1)
Foi fácil arrumar o carro, quer dizer, ali, naquela zona de Alcântara, foi milagre! Em rua de lojas velhas, entrei, por curiosidade, num pequeno café que apresentava, na montra, café para venda, modesto café em grão, sem o artificialismo das modernas lojas que sofisticam a aparência para parecer que o industrial é tradicional. A montra misturava o modesto café com tradicionais rebuçados para a tosse; o que me fez redobrar a vontade para entrar. Pedi um café. O dono, conversava com um cliente, claramente um cliente habitual; e tossia, sem parar de tossir. Puxei de força na voz e interrompi a conversa: “O senhor desculpe-me, mas acha bem o que está a fazer?... A tossir dessa maneira com tantos rebuçados para a tosse para vender?... E depois quer que os clientes os comprem, homessa!...” Os dois senhores interromperam a conversa. O dono do estabelecimento ficou feito estátua com o manípulo da máquina do café na mão – ainda por cima, era o meu café! -; e eu fiquei a olhar para ele, sem o deixar adivinhar se estava sério ou a brincar. “Olhe, disse-me ele, a apontar-me o indicador da mão que tinha livre, a tosse desapareceu!... O senhor tem razão!...” E desatámo-nos os três a rir. E lá veio o café, acompanhado com um saborosíssimo pau de canela.
“O senhor é de Abrantes?” perguntei eu, a seguir, ao senhor. “Não, sou mais para cima… bem mais lá para cima, Viseu… São Pedro do Sul…” “Mas é mesmo de São Pedro do Sul?...” perguntou o cliente habitual. “Não, sou da Aldeia de Sul, estou é cá há muitos anos… Lá há muita água boa para as tosses… e há muitos géneros de águas”, disse-me o senhor, rindo-se, e fazendo, com muita cumplicidade, o gesto de emborcar o vermelho néctar com o indicador a apontar-se à boca. O cliente habitual e eu rimo-nos também. “Perguntei-lhe se era de Abrantes porque estes bolos todos que aqui tem são, todos eles, iguais aos que a minha mãe fazia em Abrantes, este… este… este… são todos!” “Ah, não!... Os bolos não são de Abrantes, nem são de Viseu; os bolos vêm do Alentejo, são de Pias.” “Olhe, se tudo correr bem, daqui a dias ainda venho cá buscar alguns para irem até aos Açores…”
Se calhar, estas conversas são coisas de nada. Só que quando cheguei pouco depois ao Arquivo Histórico da Guarda Nacional Republicana e o senhor que me atendeu depois abundantemente me falou da vida que fez em Portalegre, no “mundo rural” (repetiu várias vezes esta expressão), em Pegões; e, sobretudo, quando me disse, a propósito da afinidade dos nossos apelidos – eu, Alves Pinto; e ele, Pinto Alves – que "era de cima de Viseu, lá para Bragança", eu pensei que haveria ensejo para uma primeira história e uma segunda história – que irei contar noutro texto.
As duas histórias juntas abrem justificação para a terceira, que encontrei quando saída desse imenso Mundo de menos de cem metros! Nos interstícios, ainda passei por marcas da minha terra numa loja de antiguidades e de lá peguei a colecção dos 10 sábios chineses. Do outro lado da rua, num velho alfarrabista, peguei, tirado do pó com muito esforço, um exemplar dos livros que a minha mãe devorava. “Eu sei que é literatura de cordel, mas eu gostava tanto de os ler, o que queres tu que eu faça?...” disse-me ela ainda há bem pouco. O senhor que procurou, procurou, procurou um livro da autora que eu procurava - Corin Tellado - não me deu o livro sem que antes lhe limpasse bem o pó. Sempre com muita dedicação e cordialidade, no fim pediu-me setenta e cinco cêntimos. Ainda pensei em dar-lhe um euro pelo livro, mas tive medo que se sentisse desrespeitado. Fiz questão de lhe dizer que o livro ia dar uma alegria muito grande a uma senhora que, quando nova, tinha lido muitos outros daquela autora; e disse-lhe que lhe falaria do senhor que me tinha ajudado tanto a encontrar o livro.
Ah, a terceira história! É de um senhor - o senhor Bernardo - que me “ataca” retorquindo à minha provocação: “Olhe, o senhor pode achar que não são bons, mas há pelo menos cinquenta e três anos que eu os vendo aqui e as pessoas não se queixam…” Mas, pronto, essa é só mesmo a terceira história. Que se fixa ao pé das outras pelo contraponto que delas faz.
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(1) Curiosamente, há uma densidade de ocorrências na vida do meu avô à volta dos dias 26, 27 e 28 de Junho. Por exemplo, meu avô nasceu a 26 de Junho; a Guerra começou a 28; há um registo (aparentemente contendo um erro), na sua Folha de Matrícula da G.N.R., de uma licença a 28 de Junho de 1917. Enfim... Que fique claro, não sou sensível a explicações místicas destas "coincidências"; ou simplesmente coincidências (sem aspas), como se queira.