domingo, 23 de outubro de 2016

O QUE FAZER COM AS EMOÇÕES NEGATIVAS?

Psicologia - Frase da semana, 23OUT16: O QUE FAZER COM AS EMOÇÕES NEGATIVAS?

«One of the things I had to learn as a journalist was what to do with my anger. I had to use it, channel its energy, turn it into something that would clarify my vision, instead of clouding it.» (TED2007 · Filmed March 2007 · 21:56, James Nachtwey: My wish: Let my photographs bear witness)
(Uma das coisas que tive que aprender enquanto jornalista foi o que fazer da minha raiva. Tive que usá-la, canalizar a sua energia, transformá-la em qualquer coisa que clarificasse a minha visão, em vez de a obscurecer.)
«Os fotógrafos vão aos limites extremos da experiência humana para mostrar às pessoas o que se passa.Por vezes põem em risco a vida, porque acreditam que as vossas opiniões e a vossa influência são importantes. Dirigem as fotografias aos vossos melhores instintos, a generosidade, o sentido do certo e do errado, a capacidade e a vontade de se identificarem com os outros, a recusa em aceitar o inaceitável. O meu desejo TED: Há uma história vital que tem que ser contada, e desejo que a TED me ajude a conseguir fazer isso e depois me ajude a arranjar formas inovadoras e excitantes de usar o fotojornalismo na era digital. Muito obrigado.»
Toda a palestra é um emocionado e intenso testemunho; mais, é uma espécie de legado.
Da raiva, sempre com muita tenacidade, James Nachtwey fez uma firme, determinada e não-beligerante denúncia. Informou como tantas vezes os poderes políticos de todo o Mundo queriam que não se informasse. Assim proporcionou respostas e soluções. E influenciou importantes decisões políticas contra as guerras e a destruição.
Embora transcreva para aqui a palestra integralmente, recomendo o visionamento do vídeo da palestra. Tem boas legendas em português.
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Para uma pessoa que passou toda a sua carreira a tentar ser invisível,
0:16
estar em frente duma audiência, é uma mistura duma experiência fora-do-corpo e um veado encadeado por holofotes, por isso perdoem-me por eu violar um dos mandamentos do TED socorrendo-me de um papel escrito. Só espero não ser atingido por um raio antes de acabar. (Risos) Queria começar por falar de algumas das ideias que me motivaram a tornar-me um fotógrafo documental.
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Eu era um estudante, nos anos 60, uma época de contestação social e, a nível pessoal, do despertar dum sentido de idealismo. A guerra no Vietname estava no auge. O Movimento dos Direitos Civis estava em marcha e as imagens tinham uma tremenda influência em mim. Os nossos líderes políticos e militares diziam-nos uma coisa e os fotógrafos diziam-nos outra. Eu acreditava nos fotógrafos, tal como milhões de norte-americanos. As imagens deles alimentavam a resistência contra a guerra e o racismo. Não se limitaram a registar a História, ajudaram a mudar o curso da História. As fotos deles passaram a fazer parte da nossa consciência coletiva e, quando essa consciência evoluiu para um sentimento de consciência generalizado, a mudança não só foi possível, mas foi inevitável.
1:29
Vi que o livre fluxo de informações representado pelo jornalismo, em especial o jornalismo visual, pode lançar a luz nos benefícios e no custo da polícia política. Pode reconhecer o mérito duma tomada de decisões correta, reforçando o ímpeto para o seu êxito. Perante um mau juízo político ou a falta de ação política, torna-se num tipo de intervenção, analisando os danos e pedindo que reavaliemos a nossa conduta. Dá um rosto humano a questões que, de longe, podem parecer abstratas ou ideológicas ou monumentais no seu impacto global. O que acontece, a nível das bases, longe dos salões do poder, acontece aos cidadãos normais, a cada um de nós.
2:14
Compreendi que a fotografia documental tem a capacidade de interpretar acontecimentos, do seu ponto de vista. Dá voz aos que, de outro modo, não teriam voz. Como reação, estimula a opinião pública e dá ímpeto ao debate público, impedindo assim as partes interessadas de controlarem totalmente a agenda, por mais que gostassem de o fazer. Ao chegar a adulto, naquela época, percebi que o conceito do livre curso da informação é completamente vital para o bom funcionamento duma sociedade livre e dinâmica. Claro que a imprensa é um negócio e, para poder sobreviver, tem que ser um negócio com êxito. Mas é preciso encontrar o devido equilíbrio entre as considerações comerciais e a responsabilidade jornalística.
3:01
Os problemas da sociedade só podem ser resolvidos depois de identificados. Num plano mais elevado, a imprensa é uma indústria de serviços e os serviços que presta são a consciência. Nem todas as notícias têm que vender qualquer coisa. Também há alturas para dar. Era uma tradição que eu queria seguir. Ver a guerra criava incríveis desafios para todos os envolvidos e o jornalismo visual não se podia tornar num fator para a solução do conflito. Eu queria ser fotógrafo para vir a ser fotógrafo de guerra. Mas era motivado por um sentimento inerente de que uma imagem que revelasse a verdadeira face da guerra, por definição, seria quase como uma foto antiguerra.
3:46
Quero levá-los num passeio visual por alguns dos acontecimentos e questões em que estive envolvido nos últimos 25 anos. Em 1981, fui à Irlanda do Norte. Havia 10 prisioneiros do IRA que estavam a fazer greve da fome como protesto contra as condições da cadeia. A reação nas ruas era de violenta confrontação. Percebi que as primeiras linhas das guerras contemporâneas não são nos campos de batalha isolados, mas onde a população vive. No início dos anos 80, passei muito tempo na América Central, que estava mergulhada em guerras civis que refletiam a divisão ideológica da Guerra Fria.
4:25
Na Guatemala, o governo central, controlado por uma oligarquia de ascendência europeia, travava uma campanha de terra queimada contra uma rebelião indígena. Vi uma imagem que refletia a história da América Latina: a conquista através da aliança da Bíblia e da espada. Um guerrilheiro anti-sandinista foi ferido mortalmente quando o Comandante Zero atacou uma cidade no sul da Nicarágua. Um tanque destruído, pertencente à guarda nacional de Somoza ficou como monumento num parque em Manágua e foi transformado pela energia e espírito duma criança. Ao mesmo tempo, travava-se uma guerra civil em El Salvador. Mais uma vez, a população civil foi apanhada pelo conflito.
5:12
Tenho feito a cobertura do conflito palestino-Israel desde 1981. Este é um momento do início da segunda intifada, em 2000, quando ainda eram só pedras e "cocktails molotov" contra um exército. Em 2001, a rebelião aumentou para um conflito armado e um dos principais incidentes foi a destruição do campo de refugiados palestinos na cidade de Jenin, na Margem Ocidental. Sem vontade política para encontrar um terreno comum, a fricção contínua de tática e contra-tática só cria suspeitas e ódio e vingança e perpetua o ciclo de violência.
5:54
Nos anos 90, depois da desintegração da União Soviética, a Jugoslávia dividiu-se pela linha de fraturas étnicas e rebentou a guerra civil entre a Bósnia, a Croácia e a Sérvia. Isto é uma cena da luta casa a casa, em Mostar, vizinho contra vizinho. Um quarto, o local onde as pessoas partilham a sua intimidade, onde é concebida a vida, tornou-se num campo de batalha. Uma mesquita no norte da Bósnia foi destruída pela artilharia sérvia e foi usada como uma morgue improvisada. Soldados sérvios mortos recolhidos depois duma batalha e usados como moeda de troca para devolução de prisioneiros ou soldados bósnios mortos em combate. Isto tinha sido um parque. O soldado bósnio que me guiou disse-me que todos os seus amigos já ali estavam.
6:51
Ao mesmo tempo, na África do Sul, depois de Nelson Mandela ter sido libertado da prisão, a população negra começou a fase final da libertação do "apartheid". Uma das coisas que tive que aprender enquanto jornalista foi o que fazer da minha raiva. Tive que usá-la, canalizar a sua energia, transformá-la em qualquer coisa que clarificasse a minha visão, em vez de a obscurecer. No Transkei, testemunhei um ritual de passagem a adulto, da tribo xhosa. Adolescentes viviam em isolamento, com o corpo coberto de barro branco. Ao fim de semanas, lavavam o barro branco e assumiam plenas responsabilidades como homens. Era um ritual muito antigo que parecia simbólico da luta política que estava a mudar o rosto da África do Sul.
7:42
Crianças no Soweto a brincar num trampolim. Por toda a parte em África, havia fome. Na Somália, o governo central caiu e rebentou a guerra entre clãs. Agricultores foram expulsos das suas terras e as culturas e o gado foram destruídos ou roubados. A fome estava a ser usada como uma arma de destruição maciça, primitiva mas extremamente eficaz. Foram exterminadas centenas de milhares de pessoas, lenta e dolorosamente. A comunidade internacional reagiu com ajuda humanitária maciça e salvaram-se centenas de milhares de vidas. Foram enviadas tropas norte-americanas para proteger os envios de ajuda, mas acabaram por ser envolvidas no conflito e, depois da trágica batalha de Mogadíscio, retiraram-se. No sul do Sudão, outra guerra civil assistiu a um uso semelhante da fome como forma de genocídio.
8:40
Mais uma vez, as ONG internacionais, unidas sob o patrocínio da O.N.U., encenaram uma gigantesca operação de ajuda e salvaram-se milhares de vidas. Sou testemunha e quero que o meu testemunho seja honesto e livre de censura. Também quero ser poderoso e eloquente e ser tão justo quanto possível quanto à experiência das pessoas que fotografo. Este homem estava num centro de alimentação das ONG, a ser assistido tanto quanto podia ser assistido. Não tinha literalmente nada. Era praticamente um esqueleto, mas conseguiu reunir coragem e vontade para se mover. Não tinha desistido e, se ele não desistiu, quem, no mundo exterior, se atreverá a perder a esperança? Em 1994, depois de três meses a fazer a cobertura das eleições na África do Sul, vi a tomada de posse de Nelson Mandela. Foi a coisa mais incrível a que já assisti. Foi um exemplo do melhor que a Humanidade tem para oferecer. No dia seguinte parti para o Ruanda e foi como apanhar um elevador expresso para o inferno.
9:50
Este homem tinha acabado de ser libertado dum campo de morte hutu. Permitiu que eu o fotografasse durante bastante tempo, até virou a cara para a luz, como se quisesse que eu o visse melhor. Penso que ele sabia o que as cicatrizes na cara dele diriam ao resto do mundo. Desta vez, talvez confusa ou desanimada pelo desastre militar na Somália, a comunidade internacional manteve-se silenciosa e foram chacinadas cerca de 800 mil pessoas pelos seus compatriotas — por vezes pelos próprios vizinhos — usando utensílios agrícolas como armas.
10:27
Talvez por ter aprendido a lição, pela fraca reação à guerra na Bósnia e pelo fracasso no Ruanda, quando a Sérvia atacou o Kosovo, a ação internacional foi tomada muito mais decididamente. As forças da NATO avançaram e o exército sérvio recuou. Foram assassinadas pessoas de etnia albanesa, as suas quintas destruídas e muita gente foi deportada à força. Foram recebidas em campos de refugiados instalados por ONG na Albânia e na Macedónia. A marca dum homem que morreu queimado dentro de casa. A imagem recordou-me as pinturas das cavernas e fez-me pensar em como ainda somos primitivos, sob tantos aspetos.
11:12
Entre 1995 e 1996, fiz a cobertura das duas primeiras guerras na Chechénia, do interior de Grózny. Este é um rebelde checheno na linha da frente contra o exército russo. Os russos bombardearam Grózny constantemente durante semanas, matando sobretudo os civis que ainda estavam encurralados lá dentro. Encontrei um rapaz do orfanato local a vaguear pela linha da frente. O meu trabalho passara de estar preocupado sobretudo com a guerra para me concentrar também nas questões de crítica social. Depois da queda de Ceausescu, fui à Roménia e descobri uma espécie de "gulag" de crianças, onde se mantinham milhares de órfãos em condições medievais. Ceausescu tinha imposto uma quota quanto ao número de crianças que cada família tinha que ter, transformando o corpo das mulheres num instrumento de política económica do estado. As crianças, que não podiam ser sustentadas pela família, eram criadas em orfanatos do governo. As crianças com defeitos congénitos eram consideradas incuráveis, e reduzidas a uma vida em condições desumanas.
12:21
Quando as notícias vieram a lume, avançou mais uma vez a ajuda internacional. Mergulhando mais fundo no legado dos regimes da Europa de Leste, trabalhei vários meses numa notícia sobre os efeitos da poluição industrial, em que não tinha havido qualquer respeito pelo ambiente ou pela saúde quer dos trabalhadores quer da população em geral. Uma fábrica de alumínio na Checoslováquia estava cheia de fumo e poeiras cancerígenas e quatro em cada cinco operários apareciam com cancro.
12:53
Depois da queda de Suharto na Indonésia, comecei a explorar condições de pobreza num país que estava a caminho da modernização. Passei muito tempo com um homem que viva com a família num aterro ferroviário e tinha perdido um braço e uma perna num acidente de comboio. Quando foi publicada a história, choveram donativos espontâneos. Instituiu-se um fundo, e a família agora vive numa casa no campo com todas as necessidades básicas satisfeitas. Era uma história que não estava a tentar vender nada. O jornalismo tinha proporcionado um canal para o sentido natural de generosidade das pessoas e os leitores corresponderam. Encontrei um grupo de crianças sem abrigo que foram do campo para Jacarta, e acabaram por viver numa estação de comboio. Aos 12 ou 14 anos, acabaram em pedintes e drogados. Os rurais pobres tinham passado a ser os urbanos pobres e, no processo, tornaram-se invisíveis.
13:55
Estes viciados em heroína, em desintoxicação no Paquistão, fizeram-me lembrar personagens numa peça de Beckett, isoladas, à espera no escuro, mas atraídas pela luz. O Agente Laranja era um desfolhante usado durante a guerra do Vietname para impedir o refúgio ao exército vietcongue e norte-vietnamita. O ingrediente ativo era a dioxina, um químico extremamente tóxico que foi aspergido em enormes quantidades, cujos efeitos passaram para os genes da geração seguinte. Em 2000, comecei a documentar questões de saúde global, concentrando-me primeiro na SIDA em África. Tentei contar a notícia através do trabalho dos técnicos de saúde. Pensei que era importante sublinhar que as pessoas estavam a ser ajudadas, quer por ONG internacionais ou por organizações de base locais.
14:46
Nesta epidemia ficaram órfãs tantas crianças que as avós assumiram o papel de mães. Muitas crianças nasceram com HIV. Um hospital na Zâmbia. Comecei a documentar a estreita ligação entre o HIV/SIDA e a tuberculose. Isto é um hospital MSF no Camboja, As minhas fotos podem desempenhar um papel de apoio ao trabalho das ONG lançando luz nos problemas sociais críticos que elas tentam resolver. Fui para o Congo com os MSF e contribuí para um livro e para uma exposição que concentrava as atenções numa guerra esquecida em que tinham morrido milhões de pessoas, expostas a doenças sem tratamento, ou usadas como uma arma. Uma criança malnutrida a ser medida ao abrigo do programa de alimentação suplementar.
15:42
No outono de 2004, fui a Darfur. Desta vez, estava contratado por uma revista, mas voltei a trabalhar estreitamente com os MSF. A comunidade internacional ainda não tinha encontrado forma de criar a pressão necessária para deter aquele genocídio. Um hospital MSF num acampamento para deslocados. Tenho trabalhado num grande projeto sobre o crime e o castigo nos EUA. Isto é uma cena de Nova Orleães. Um prisioneiro numa prisão no Alabama foi punido sendo algemado a um poste sob o sol do meio-dia. Esta experiência levantou uma série de questões, entre elas questões sobre etnias e igualdade e sobre quem, no nosso país, tem acesso a oportunidades e opções. No pátio da prisão em Alabama.
16:37
Não vi nenhum dos aviões embater e, quando olhei pela janela, vi a primeira torre a arder e pensei que devia ter sido um acidente. Minutos depois, quando voltei a olhar e vi a segunda torre a arder, percebi que estávamos em guerra. No meio dos destroços no Ground Zero, tive uma revelação. Tinha andado a fotografar no mundo islâmico desde 1981, não só no Médio Oriente, mas também em África, na Ásia e na Europa. Quando andava a fotografar nesses diferentes locais, pensava que estava a cobrir notícias separadas, mas a história do 11/setembro cristalizou e percebi que tinha andado a fazer a cobertura duma única notícia, durante mais de 20 anos e o ataque a Nova Iorque era a sua última manifestação.
17:23
O bairro comercial central de Cabul, no Afeganistão no fim da guerra civil, pouco depois de a cidade cair para os talibãs. Vítimas de minas terrestres a serem ajudadas no centro de reabilitação da Cruz Vermelha dirigido por Alberto Cairo. Um rapaz que perdeu uma perna numa mina abandonada. Testemunhei imenso sofrimento no mundo islâmico, opressão política, guerra civil, invasões estrangeiras, pobreza, fome. Percebi que, no seu sofrimento, o mundo islâmico tinha estado aos gritos. Porque é que nós não os escutámos? Um combatente talibã alvejado durante uma batalha quando a Aliança do Norte entrou na cidade de Kunduz. Quando estava iminente a guerra com o Iraque, percebi que as tropas norte-americanas seriam bem cobertas, por isso decidi fazer a cobertura da invasão no interior de Bagdade. Um mercado foi atingido por um morteiro que matou vários membros duma única família. Um dia depois de as forças americanas entrarem em Bagdade, uma companhia de fuzileiros começou a cercar ladrões de bancos e foram aplaudidos pela multidão, um momento de esperança que durou pouco.
18:47
Pela primeira vez em anos, os xiitas puderam fazer a peregrinação a Karbala para festejar Ashura. Fiquei espantado com o grande número de pessoas e com o grande fervor com que praticavam a sua religião. Um grupo de homens a desfilar pelas ruas, cortando-se com facas. Era óbvio que os xiitas eram uma força a ser considerada e faríamos bem em compreendê-los e aprender a lidar com eles. No ano passado, passei meses a documentar as nossas tropas feridas, que saíam do campo de batalha no Iraque e voltavam para casa.
19:22
Isto é um helicóptero médico a tentar ressuscitar um soldado que fora ferido na cabeça. A medicina militar tornou-se tão eficaz que a percentagem de tropas que sobrevive a ferimentos é muito mais alta nesta guerra do que em qualquer outra guerra da nossa história. A arma emblemática da guerra é a bomba caseira e o ferimento emblemático é um dano grave nas pernas. Depois de aguentar uma dor extrema e traumas, os feridos enfrentam uma difícil reabilitação física e uma luta psicológica. O espírito que demonstram é absolutamente espantoso. Tentei colocar-me no lugar deles e fiquei completamente esmagado pela sua coragem e determinação perante uma perda tão catastrófica. Gente boa que foi colocada numa situação terrível por resultados questionáveis. Um dia, na reabilitação, comecei a falar de "surfing" e todos aqueles tipos que nunca tinham feito "surf" disseram: "Ei, vamos embora!". E foram fazer "surf".
20:33
Os fotógrafos vão aos limites extremos da experiência humana para mostrar às pessoas o que se passa. Por vezes põem em risco a vida, porque acreditam que as vossas opiniões e a vossa influência são importantes. Dirigem as fotografias aos vossos melhores instintos, a generosidade, o sentido do certo e do errado, a capacidade e a vontade de se identificarem com os outros, a recusa em aceitar o inaceitável. O meu desejo TED: Há uma história vital que tem que ser contada, e desejo que a TED me ajude a conseguir fazer isso e depois me ajude a arranjar formas inovadoras e excitantes de usar o fotojornalismo na era digital. Muito obrigado.
21:20
(Aplausos) [Para ajudar a concretizar este desejo, contactar: tedprize@ted.com]

domingo, 9 de outubro de 2016

NÃO BASTA DIZER QUE A MORTE É UMA CONDIÇÃO DA VIDA

Psicologia - Frase da semana, 09OUT16: NÃO BASTA DIZER QUE A MORTE É UMA CONDIÇÃO DA VIDA

«Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como os
brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte. Foi esse desencontro que Germano enfrentou ao enterrar o cantineiro Francelino Sardinha. Aquela cerimónia de despedida era um modo de pedir licença à morte para esquecer o morto.» (Mia Couto, "A Espada e a Azagaia, 2016, Editorial Caminho, p. 63)

— Tens medo de morrer?— Não é morrer que me dói. O que me dá tristeza é ficar morto.
Começa assim o "O Outro Pé da Sereia" de Mia Couto.
Em muitos dos seus livros, sempre mágicos…, Mia Couto fala da Vida e da Morte com palavras fáceis que ajudam os leitores a entender uma e outra.
Em “Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra”, o escritor começa precisamente assim a fascinante ficção:
«A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência. […] A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais para de morrer.”
Um pouco mais à frente, escreve outro pensamento, que volta a expressar no seu mais recente romance, a trilogia “As Areias do Imperador”; mas já lá vamos – ainda o Tempo e a Terra:
«Em África, os mortos não morrem nunca. Excepto aqueles que morrem mal. A esses chamamos de “abortos”. Sim, o mesmo nome que se dá aos desnascidos. Afinal, a morte é um outro nascimento.»
No “Jesusalém”, Mia Couto escreve:
«A vida só sucede quando deixamos de a entender. […] Eis a lição que aprendemos em Jesusalém: a vida não foi feita para ser pouca e breve. E o mundo não foi feito para ter medida.»
Agora, em “A Espada e a Azagaia”, o segundo volume da trilogia, o extraordinário cultivador do português com delicioso sabor moçambicano, como eu disse antes, volta à morte em África. Diz um dos seus personagens:
«Aprendi que há uma diferença fundamental no modo como os brancos e negros tratam os falecidos. Nós, os negros, lidamos com os mortos. Os brancos lidam com a morte. Foi esse desencontro que Germano enfrentou ao enterrar o cantineiro Francelino Sardinha. Aquela cerimónia de despedida era um modo de pedir licença à morte para esquecer o morto.»
Antes, no primeiro volume da trilogia, Mia Couto fizera uma homenagem aos mortos que as injustiças e as desumanidades condenam a fazerem apenas parte de estatísticas e ocorrências históricas anónimas — alguns se salvarão pelo umbigo-testemunho dos seus familiares vindouros:
«A diferença entre a Guerra e a Paz é a seguinte: na Guerra, os pobres são os primeiros a serem mortos; na Paz, os pobres são os primeiros a morrer.
Para nós, mulheres, há ainda uma outra diferença: na Guerra, passamos a ser violadas por quem não conhecemos.»
A mulher. A mulher africana. Será que alguém alguma vez a cantou, a louvou, a mostrou como Mia Couto?...

domingo, 2 de outubro de 2016

O GOSTO AMARGO DA AGRESSÃO, À VOLTA DA VIOLÊNCIA JUVENIL

Psicologia - Frase da semana, 02OUT16: O GOSTO AMARGO DA AGRESSÃO, À VOLTA DA VIOLÊNCIA JUVENIL

«Quando quem comete certas violências são jovens de 15 ou 16
anos, e até menos, parece claro que pais e mães devem questionar-se. Ter-se-á sido talvez demasiado condescendente com esta geração de filhos, muitas vezes únicos, a que se deu materialmente também demasiado? Um filho assemelha-se a um rio: precisa de uma direção e de duas margens.» (Marina Corradi 
In "Avenire", trad./adapt.: Rui Jorge Martins )

O texto é tão extenso, diversificado e analítico que não comento. Apenas digo que me parece uma reflexão muitíssimo interessante.
O gosto amargo da agressão
«Raparigas que frequentavam a minha escola gozavam com um rapaz com deficiência no autocarro, levando-o a fazer coisas estúpidas de que todas riam, ou então colocavam fora da janela o seu boneco preferido, fazendo-o acreditar que o tinham deitado fora, e ele chorava...»
Se na internet procurar por "histórias de "bullying" (intimidação)", esta é a mais "inocente" que se pode encontrar: uma criança com deficiência que chora porque os companheiros se riem dele e o fazem sofrer, ameaçando também o seu peluche. Há bem pior, humilhações, vexações e, como se não bastasse, gravadas por quem as comete.
Em agosto foi divulgada uma sondagem realizada pela UNICEF segundo a qual dois em cada três jovens de 18 países afirmavam ter sido vítimas de "bullying", e nove em dez afirmavam acreditar que esse é um problema generalizado nas suas comunidades. E em 2015 mais de um terço dos inquiridos num estudo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima admitia conhecer situações de crianças ou jovens vítimas de violência, mas menos de metade denunciou o caso.
Não estamos já perante episódios isolados, tratando-se antes de uma estranha crueldade que se espalha entre os mais jovens. O próprio Presidente da República de Itália pronunciou-se esta semana sobre o tema, referindo-se ao «odioso fenómeno de fúria contra quem não se conforma, ou simplesmemente é visto e perseguido como fraco ou como "diferente"».
Também nestes dias apareceu nos jornais e na internet a história de Emilie, jovem de 17 anos francesa que pôs termo à vida após uma longa série de perseguições na aula. Ela morreu mas os pais tornaram público o seu diário: é incrível como nenhum professor viu e como em casa ninguém se apercebeu de nada. Como é possível morrer-se aos 17 anos porque os companheiros te atormentam enquanto não te vestes, falas e és como eles?
A emergência de notícias de tragédias como esta, que não sucedem pela primeira vez, leva a geração dos adultos a colocar-se perguntas. Será que nós, quando jovens, éramos assim tão cruéis?, perguntamo-nos. E voltando atrás com a memória recordamos que também então havia os grupos, as divisões intransponíveis, os hábitos que marcavam a pertença a determinados bandos; que havia maldade e marginalização, frequente, dos mais tímidos; e todavia não recordamos que se chegasse a maltratar alguém com deficiência, a persegui-lo metódica e organizadamente como aquele que lemos hoje.
Parece quase que às novas gerações falta o sentido de um limite, de uma linha inultrapassável entre a brincadeira de mau gosto e a autêntica perseguição. E, ao mesmo tempo, que se tenha difundido em tantos uma espécie de perceção de impunidade, de tal maneira que não hesitam filmar as cenas que manifestamente os acusam.
É verdade que o advento dos telemóveis revolucionou também a adolescência, e um "smartphone" ou um computador na mão de rapazinhos podem tornar-se um jogo destrutivo. Mas para além das dramáticas derivas da agressão cibernética, permanece uma pergunta de fundo: esta crueldade espalhada, de onde vem e porquê?
Quando quem comete certas violências são jovens de 15 ou 16 anos, e até menos, parece claro que pais e mães devem questionar-se. Ter-se-á sido talvez demasiado condescendente com esta geração de filhos, muitas vezes únicos, a que se deu materialmente também demasiado? Um filho assemelha-se a um rio: precisa de uma direção e de duas margens.
Ora, lendo estas histórias, parece que a direção dada é muitas vezes confusa e faltam as margens. As margens, os limites inultrapassáveis, eram nas velhas famílias uma tarefa paterna; e talvez este nosso tempo, que combateu e atropelou tanto o pai como todo o princípio de autoridade, nos deixe agora ver o que resta, quando se destrói completamente um eixo fundamental da educação.
Ou até mesmo a desordem que vemos é o fruto de um elo interrompido na transmissão geracional: no domínio do relativismo absoluto alarga-se uma aura de incerteza sobre o que está bem e sobre o que está indiscutivelmente mal.
Contra a deriva do "bullying" «é necessário um grande pacto entre escola, família, forças da ordem, magistratura, mundo das comunicações sociais e do espetáculo. Uma ação conjunta, capaz não apenas de reprimir mas, sobretudo, de prevenir, com uma verdadeira e própria campanha educativa que chegue ao coração e à mente dos jovens», declarou o Presidente italiano.
Será bem-vinda esta ação conjunta, partilhada e incisiva. Sem esquecer que cada um de nós que tem filhos sabe o quão pouco se educa com as palavras, inclusive com as melhores; e quanto, ao contrário, com o próprio ser, com o que os filhos veem em nós.
Um rapaz que atormenta um companheiro mais fraco ou "diferente" - pela pele, pela personalidade ou por qualquer outro motivo - deverá, antes de tudo, colocar uma iniludível pergunta aos seus pais: onde e como aprendeu esse desprezo e esse amargo gosto de prevaricar, de humilhar. E apelar a uma resposta útil e reconstrutiva.