sexta-feira, 30 de outubro de 2015

AO ENCONTRO DO MEU NOME, EM DIA DE ANIVERSÁRIO

AO ENCONTRO DO MEU NOME
(carta escrita para os meus sobrinhos)

               
Sim, é ele; quer dizer, sou eu, o Fernando Jorge.
Se até as fotografias mentem; se até o mais rigoroso dos vídeos mente, o que dizer das memórias? As memórias são todas – mas todas mesmo! – reconstruídas. É essa a condição inerente ao que a seguir vou escrever. Naturalmente.
                Quando a tia Fatinha nasceu, eu tinha 6 anos. Rapidamente percebi por que razão ela se chamava Maria de Fátima – antes, nunca eu (cá está, que me lembre…) me tinha interrogado sobre as razões de alguém ter este ou aquele nome. No caso da menina que nasceu no dia 8 de Dezembro de 1962 (1) nunca precisei de perguntar, as conversas à minha volta, na família, ou fora dela, eram frequentes sobre a razão da escolha do nome da minha recente maninha.
                O tio Zé Manel, esse, também foi fácil perceber por que razões se chamava José e Manuel; também no caso do meu irmão não foi nunca necessário perguntar fosse o que fosse sobre a escolha dos dois nomes.
                Aqui ou ali, no passar dos anos, fui olhando os nomes dos homens da família à procura da razão de ser do meu nome, mas nunca encontrava nada; mas também nunca me preocupei muito em saber, por isso, durante muitos anos, não perguntei nada a ninguém…
                Já crescido – penso mesmo que já psicólogo – dediquei, então, atenção à etimologia do meu nome; e o que encontrei deixou-me muito satisfeito, senti que tinha mesmo a ver comigo! Mas não foi ainda nessa altura que perguntei aos avós por que razão tinham escolhido o Fernando e o Jorge; mais!, quem é que tinha escolhido os dois nomes.
                Treinado que estou a processos de auto-análise, quando procurei perceber por que motivo nunca eu tinha perguntado aos avós fosse o que fosse sobre a origem do meu nome, não demorei a encontrar a razão: no fundo, eu tinha medo de ser associado a alguém fora da família, que eu não conhecesse, e que me deixasse decepcionado.
                Ainda antes de falar do assunto com os avós, um dia, quando almoçava com eles num dos restaurantes da Palmira Bastos (curiosamente, um a que raramente íamos – talvez os habituais estivessem fechados…), o avô Pinto e a avó Lourdes confessaram-me que tentaram que eu não nascesse (eu já contei esta história noutro lado). O tio Zé Manel era bebé pequenino, os avós queriam ter mais filhos, mas não logo a seguir, tão pertinho do bebé que tinham acabado de ter. Assim, tentaram, por processos muito artesanais, que eu “caísse” do ninho da avó Lourdes. Só que eu grudei e agarrei-me com unhas e dentes às paredes do ninho! Resisti a todos os abanões e sacudidelas!
                Lembro-me de ver o avô Pinto dizer, nesse almoço, muito sorridente, qualquer coisa do tipo: “A gente tentou tudo, mas tu não largavas a tua mãe, tu não saías de onde estavas… Então dissemos um para o outro «ele agarra-se assim à vida, ele quer tanto viver, olha, temos de o deixar vir, vamos ver…»”. É claro que comecei por me arrepiar quando os avós me contaram isto, mas logo a seguir um sentimento de profunda gratidão se sobrepôs a esse tão espontâneo arrepio. Eu bem percebi os avós: longe de quaisquer outros familiares, eles bem queriam fruir todos os bocadinhos do primeiro filho… Ainda mal o saboreavam, já tinham de se dividir com um outro; repito, que desejavam, mas não tão cedo. Quer dizer, mesmo antes de nascer fui logo um teimoso, um chato importunador! Eh! Eh!
                Ora, foi só depois de conhecer este “pitoresco” acerca do meu nascimento que, quando me pareceu oportuno, perguntei aos avós por que me tinham posto o nome que tenho, e quem o tinha escolhido. A resposta dos avós (eu tive o cuidado de que estivessem ambos a falar comigo) foi simples: “Olha, por nada, não houve razão especial nenhuma… Fomos nós que escolhemos, esse era um nome de que nós os dois gostávamos, foi só por isso, gostávamos desse nome…” Ainda perguntei aos avós se sabiam alguma coisa, ou se alguém lhes tinha dito alguma coisa sobre a etimologia do meu nome – nada, absolutamente nada, tinha sido só porque gostavam desse nome.
                Acho que os avós não tiveram nunca noção da satisfação que me deram!... Sobre mim não pesava o peso do testemunho geracional, passado de pai para filho; não pesava o simbolismo da profunda crença e devoção dos progenitores. Era como se, após as circunstâncias bem especiais do meu nascimento, eles me dissessem: “É assim: já que quiseste vir e a gente não tinha nada antecipado para ti, olha, sê. Sê o que quiseres ser. Pega neste nome, faz dele o que quiseres. Não te esqueças que é um nome de que a gente gosta, é tudo o que, muito honestamente, muito sentidamente, te podemos dizer e te podemos dar.”
                Quem me conhece sabe como prezo a liberdade de ser quem quero ser. Não tomei a simbologia etimológica do meu nome como objectivos a atingir, como lemas de vida a defender, mas que sinto que encaixa bem com o que tenho tentado ser e fazer ao longo da vida – ai, sim senhor! -, penso que o Fernando e o Jorge com que fui baptizado foram feitos à minha justa medida!
                Os meus pais fizeram-me Fernando Jorge para eu ser o que quisesse ser; apostaram “às cegas” em mim e deram-me a liberdade para ser o que e quem eu quisesse; é como se eles tivesse percebido que, naquele confronto muito perigoso, muito delicado a que, logo que deram conta de que eu tinha aparecido a importunar, me sujeitaram, eu seria capaz de me desenrascar por mim mesmo, tal as ganas que mostrei logo para viver.
                É, meus queridos sobrinhos, é com estas coisas no pensamento que vou, no meu dia de anos, conversar com os avós – agora que estarão outra vez bem juntinhos, e juntinhos irão cantar-me os parabéns. Certamente também, vamos falar e rirmo-nos das peripécias do meu nascimento. Acredito fortemente que nem um, nem outro, estão arrependidos da opção que fizeram, há quase 60 anos atrás. Ah!... E quanto eu lhes agradeço isso!...
                Só falta mesmo, então a etimologia do meu nome, não é verdade? Aqui vai:
                Fernando: Significa "ousado para atingir a paz", ou "o que ousa viajar", "viajante corajoso". O nome Fernando tem origem no germânico Ferdinand ou Fredenando, formado pela união das palavras fridu, que significa "paz", e nanthjan, que quer dizer "ousar", e significa “ousado para atingir a paz”.
                Jorge: Significa "o que trabalha a terra", ou "agricultor". Jorge tem origem no nome grego Geórgios, que deriva da palavra georgós, formada pela união dos termos ge, que significa "terra" e érghon, que quer dizer "trabalho" e significa “aquele que trabalha na terra", "agricultor”.
                De que gosto especialmente no meu nome? Ou, o que penso que o nome tem a ver comigo e eu com ele?
É a ideia de ousadia, de viajar, de procurar a paz; de a cultivar. Comigo, com o nome que quem decidiu que eu vivesse me pôs, nunca o ambiente de paz podre terá qualquer hipótese de se instalar. Por isso me sinto especialmente satisfeito por só tardiamente ter investigado a raiz etimológica do meu nome – é que eu já acumulara experiências de vida bastantes para constatar que toda a vida tenho viajado ao encontro do meu nome: eu procuro, eu ouso, eu revolvo os chãos que piso, os caminhos por onde viajo – os espaços físicos, as relações humanas, os conhecimentos acumulados, as crenças e os preconceitos estabelecidos. Sim, estou em crer que sim, num processo constante para atingir a paz a paz que me faz bem e faz bem aos outros, nunca me acomodando, nunca alimentando que os outros se acomodem em ambições de bem-estar menos saudáveis, menos honestas e menos solidárias. Em mim – reconheço-o, admito-o - haverá sempre um importunador! Ao serviço da paz, lutando por ela.

                É, queridos sobrinhos, gosto muito de ser o Fernando Jorge.

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(1) - A data de 8 de Dezembro está ligada à celebração da Imaculada Conceição, mas o nascimento da minha irmã nesta data é, do ponto de vista da devoção da nossa mãe à Nossa Senhora de Fátima, puramente acidental. À data de 1962, sem as ecografias, só na altura do nascimento havia a certeza do sexo da criança: assim que a nossa mãe soube que estava grávida imediatamente prometeu o bebé a Nossa Senhora de Fátima.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Memórias da avó Lourdes - Como a avó Lourdes conheceu o avô Pinto

Memórias da avó Lourdes
15 de agosto de 2013, quinta-feira, em casa da Tia Fatinha, no Faial

Como a avó Lourdes conheceu o avô Pinto

            - “Sabes como é que eu conheci o teu pai?...” perguntou-me a avó quando estávamos a almoçar. Estávamos, naquela altura, calados num silêncio de pouca duração, tão simplesmente
atrás: Maria de Lourdes, Maria de Fátima, Manuel
à frente: Fernando Jorge, José Manuel
porque não se pode conversar enquanto de mastiga.
Eu sei como foi que esse primeiro contacto aconteceu, mas, como de costume, fiz o meu papel e respondi à avó que não, não senhora, não sabia.
- “Eu estava na costura, na costura de alfaiate, no Alexandre Paulo, e ele [o avô Pinto] foi lá para para fazer um fato [fato civil]… ele entrou, eu olhei para ele, depois voltei-me para as minhas colegas e disse-lhes assim baixinho: «Olhem, eu vou bater-me com este magala!...» Houve uma delas que se voltou para mim e disse em voz alta: «Capaz disso és tu, e muito mais!...» Lembro-me bem dele, era todo jovem, jeitosinho, o cabelo todo onduladinho…»”. A avó estava deliciada a relembrar esta ocasião que marcou definitivamente as suas vidas… e as nossas! – “Eu depois perguntei para elas: «Quem é este?...», e uma delas respondeu-me: «É o furriel Pinto». Eu então chamava-lhe «furrielzito» e, olha, se bem o disseste, melhor o fizeste." A avó estava deliciada! Mais deliciada com as memórias do que com a comida. – “Depois, quando começámos a ir aos bailes, eu dançava muito bem, melhor do que ele… eram sempre tempos bem passados, ao pé de mim nunca ninguém estava triste…”
- “Eu e as minhas irmãs gostávamos muito de ir aos bailes… era no Orfeu e no Sporting… Quem chegava cedo guardava lugar para as outras… Nunca levei sova de cadeira!... A minha irmã Rosinda nunca foi a um baile, ela foi namorada de um só homem… ele tinha saído da tropa e ela tinha 13 anos, treze!... A minha irmã Rosinda, coitadita, não se divertia nada. A minha irmã Beatriz também se prendeu muito cedo ao Titó… A minha irmã Deolinda namorou o Zé Camilo, o Zé ??????, foram muitos Zés, parece que ela tinha uma predilecção especial pelos Zés, e depois não casou com nenhum deles… Foi a que teve mais pretendentes, ela em nova era muito jeitosa e tinha uma coisa muito bem feita… Sabes o que era?...” “Não, dona Lourdes, não sei…” (mesmo que soubesse não diria à avó que sabia!...) Eram as pernas!... Ela tinha uma vaidade grande nas pernas...
A conversa ficou por aqui, alguma coisa apareceu a interromper a conversa. No dia seguinte, em jeito de remate à conversa interrompida, e também à hora do almoço, a avó Lourdes continuou: - “O velhote [o avô Branco] em Abrantes tinha fama de ser mau, mas era muito honesto, todos o respeitavam muito porque sabiam como ele era… Pensas que ele respeitava as freiras no Colégio Nossa Senhora de Fátima?  Pois sim!... Mas elas todas adoravam o senhor António!... Eu não tinha nenhum medo do meu pai, era a única que brincava com ele… O meu pai gostava muito do teu pai, mas o teu pai tinha-lhe muito respeito, só entrou lá em casa já depois de casarmos… Lembro-me que uma vez estávamos a namorar à porta de casa, o meu pai chegou, viu-nos ali chegadinhos um ao outro e perguntou-nos: «Querem o meu capote?». O meu pai tinha um capote grande, sempre teve… Eu não me atrapalhei nada com ele e respondei-lhe: «Não, não é preciso, se a gente tiver frio a gente aquece-se um ao outro!... «Lá descarada és tu!» disse o meu pai, mas foi para dentro bem-disposto e deixou-nos ficar ali à vontade… Outra vez, quando passou por nós, nós estávamos a cantar – é até por isso que ele lhe pôs [ao avô Pinto] o nome do Rapsódia – e ele perguntou: «Mas vocês estão sempre a cantar?...» e eu respondi-lhe logo a rir-me: «Mas quer que a gente se ponha a fazer outras coisas?...»
E o avô Branco lá se resignou e lhe deu a mesma resposta do capote. Como podem ver, meus queridos sobrinhos, não é só os netos que a avó deixa desarmados com as suas respostas; a avó já traz muito treino dos tempos do avô Branco, o seu próprio pai!