domingo, 4 de setembro de 2016

À PORTA DE UM NOVO ANO ESCOLAR - QUEM VOU SER EU?

Psicologia - Frase da semana, 04SET16: À PORTA DE UM NOVO ANO ESCOLAR - QUEM VOU SER EU?

«Na minha idade, a perspectiva da vida já é impressionante porque se lhe vê o fim. […] Condenando-me e aos meus à austeridade em que me criei, numa família humilde de gente de trabalho. Mas compensando-me na intensa alegria com que ergui as pedras da minha obra científica e na “feliz independência do mundo e da fortuna” que, se me causam às vezes amarguras, sustentam sempre a paz da consciência.»

Estamos à porta de mais um ano lectivo, é um novo ciclo de relações humanas e de trabalhos na instituição social que, para o bem e para o mal, se tornou dominante da organização sócio-política das sociedades, sobretudo as mais desenvolvidas – a escola; a toda-poderosa escola. Cada vez mais distantes das tradições que, pouco a pouco, os diferentes grupos humanos e culturais foram estabelecendo no seu progresso civilizacional, a escola, no meu entender, corre o risco de liderar a degradação social, cultural e civilizacional dos grupos humanos.

Sim, eu sei que as perspectivas trágicas sobre o Futuro, vêm e vão, desde os tempos das mais distantes Antiguidades. Discutir este assunto pode ser um momento interminável… O meu pensamento é solitário, mas não é por isso que está sozinho. Personalidades que, desde que as conheci, se tornaram referências permanentes para mim, chamaram já a atenção para os riscos do abandono, do desprendimento — ou mesmo, desprezo — das tradições; Konrad Lorenz, João dos Santos e, é claro, Orlando Ribeiro.

Um dos sinais mais significativos da desvalorização das tradições passa, na vida das escolas, pelo cada vez maior procurado afastamento dos pais da vida das escolas, tornadas espaços de professores e alunos; os pais, esses, ficam, na melhor das hipóteses, à porta da escola, ou só devem comparecer nas escolas quando para tal forem chamados pelos professores – e normalmente é para fazerem queixas dos filhos e pedirem que lhes dêem educação em casa.

Tudo se torna um comércio de profissionais, o relacionamento básico, humano, entre os diversos adultos responsáveis pela educação e inserção das crianças nos grupos socias está cada vez mais deslaçado. A isto não é estranho o que, seja em Portugal, em França, na Alemanha, ou nos Estados Unidos, observamos de comportamentos cheios de violência radical entre jovens.

Na hora do regresso à escola, a minha intenção ao trazer este pedaço de uma carta escrita por Orlando Ribeiro a Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Gulbenkian, em 1961, é olhar ao que no balanço que fazemos, os professores, pode estar em causa: o respeito pelo nosso próprio magistério; o esforço de aperfeiçoamento e actualização científica; o sentido de obra comum, não solitária; o valor da família e a sobriedade dos comportamentos pessoais em razão do alto apreço que merece a profissão de professor; a independência mental e de cidadania; e, finalmente, o sentimento — tão saboroso! — de realização pessoal e de missão cumprida.

Como vai cada um de nós, nas condições actuais da Escola, da Profissão, do País e do Mundo, embarcar no ciclo de trabalho que está a começar?

Transcrevo agora, integralmente, o excerto da carta de Orlando Ribeiro a Azeredo Perdição:
«Na minha idade, a perspectiva da vida já é impressionante porque se lhe vê o fim. Há 39 anos preparava eu os meus primeiros “explicandos” para o exame de instrução primária, quando frequentava o 4.º ano do liceu (1); há 32 anos que me formei, logo a seguir fiz a minha “tarimba” no Colégio Infante de Sagres. Contando 4 anos de leitor na Sorbonne, sou docente universitário há 28 anos. Procurei. E talvez me iluda de ter conseguido, empilhar aquela traverseirinha de livros onde um homem de estudo um dia gostaria de descansar para sempre a cabeça. Mas procurei também — e isto estou certo de ter alcançado — reunir à minha volta um grupo de gente que não desmereça o intenso e honrado esforço com que tenho conduzido a minha vida científica. Condenando-me e aos meus à austeridade em que me criei, numa família humilde de gente de trabalho. Mas compensando-me na intensa alegria com que ergui as pedras da minha obra científica e na “feliz independência do mundo e da fortuna” que, se me causam às vezes amarguras, sustentam sempre a paz da consciência.» (2)
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Fonte da fotografia:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6wdq6tth5TYiAonkiPJE_20BKak2JqHFAS2v9NGprBy6qRX4BBZx7EEE3AI9qlBbPpMJrG2U5KOEFhRCLNAhNu2J1cYARfXE76HlwgfZDfZgrVwg5WA3DnEiRkIBadByj_2_iISgFL-8/s1600/image001.jpg
(1) Corresponde ao actual 8.º ano de escolaridade.
(2) Orlando Ribeiro, "Universidade, Ciência, Cidadania - Organização e apresentação de Suzanne Daveau", 2013, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 251.

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