domingo, 28 de agosto de 2016

28AGO16: OBSERVAR, REFLECTIR, OPINAR

Psicologia - Frase da semana, 28AGO16: OBSERVAR, REFLECTIR, OPINAR

«A base da minha educação científica é a observação [...] Ao ritmo imperceptível de transformações, que a observação sugere mas só o espírito reconstitui, decorre o mais profundo da história humana, aquela que não tem datas nem personagens e flui obscuramente, através da vida popular, do princípio dos tempos até hoje. Esta é a outra raiz da minha vocação.» (Orlando Ribeiro, geógrafo)

O apontamento de hoje será, ao contrário do que é costume, e ao contrário do que é meu desejo,
marcado por preocupações muito presentes, presas de ocorrências circunstanciais.
Há uma aflição em mim: a demasiada facilidade, a raiar a irresponsabilidade, com que estudiosos e profissionais de vários campos científicos apresentam - tantas vezes de forma bem assertiva! - afirmações, teses e decisões tão mal-informadas! Quer dizer, o espírito actue com demasiada e essencialmente incorrecta ligeireza.
«O gosto da Geografia devo-o ao amor da natureza e da vida no campo, desenvolvidos em longos passeios a pé, que dava nos arredores de Viseu.»
Possuímos abundantes testemunhos de que Orlando Ribeiro dizia assim, era assim, fazia assim. Talvez nas áreas da História e da Psicologia das Tradições, dos Costumes; das Religiões e da Educação, a observação seja mais difícil. Haverá menos evidências objectivas, os sujeitos serão mais activos e menos passivamente expostos aos olhos de quem os olha; e do seu passado se guardarão menos testemunhos concretos, materiais. Pois bem, por isso mesmo nessas áreas a observação deve ser mais cuidadosa, mais humilde, menos arrogantemente assertiva!
«O geógrafo com a variedade e convergência de matérias que utiliza, tem de ser uma pessoa cientificamente bem relacionada. Por isso, procurei apoio em disciplina próximas das duas faces da geografia.»
Que avisada e sábia recomendação. E que humildade!
Os cidadãos, em geral, merecem o respeito da opinião bem informada; afinal, tudo em que os estudiosos e os especialistas tocam têm a ver directamente com a vida dos Povos, e da relaçãos dos Povos com os ambientes de vida.
Se, como dizia João dos Santos, «Educar é oferecer-se como modelo», Orlando Ribeiro foi, e é, um modelo imensamente rico de ensinamentos.
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domingo, 21 de agosto de 2016

NUNCA VISTE NENHUM GNOMO VIVO, NÃO VISTE MESMO?

Psicologia - Frase da semana, 21AGO16: NUNCA VISTE NENHUM GNOMO VIVO, NÃO VISTE MESMO?
«Ainda há gnomos, mas escasseiam muito mais do que no meu tempo de criança. Há quem diga não ter visto nunca um gnomo vivo. Lastimo sinceramente essa gente, pois deve ter a vista defeituosa ou os olhos cansados por ler em demasia.» (Axel Munthe, "O Livro de San Michele, 6.ª ed., Lisboa, Livros do Brasil, 1965?, p. 18)

Ou - talvez dissesse o médico sueco, se reescrevesse o "Novo prefácio" do seu tão famoso livro - por se entreter com televisão e jogos de computador em demasia.
Numa reedição ainda muito próxima da primeira, e depois de o livro ter já sido traduzido para outras língua, Munthe rebate a opinião de "um famoso autor inglês", que chama à História de San Michel o "Livro da Morte".
Educadamente, atentamente, Munthe começa por condescender que sim: «Talvez seja assim, pois raras vezes a morte deixa o meu pensamento".» E logo a seguir argumenta com a autoridade de um génio do Mundo, Michelangelo: "Non nasce in me pensier che non vi sia dentro scolpita la morte." (Não nasce em mim pensamento em que dentro não seja esculpida a morte). Alguns parágrafos mais à frente, finalmente, afirma decididamente a sua convicção:
«O Livro de San Michele é o livro da vida. A vida é a mesma; é com o era dantes, pois não a variaram nem o tempo nem o destino, e permanece indiferente às penas e às alegrias dos homens, misteriosa e inexplicável como a Esfinge; mas o Mundo em que vivemos, o cenário da tragédia, é constantemente transformado pela mão do grande Director de Cena, para que os espectadores não se cansem do monótono melodrama, correndo sem sentido atrás da felicidade. O Mundo onde vivíamos ontem não é o mesmo em que vivemos hoje; marcha sem descanso por seu funesto caminho, através do infinito, até à destruição, como nós mesmos Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, disse Heráclito.Há homens que andam de gatas, outros montam a cavalo ou correm em automóvel, alguns cruzam os ares à altura dos pombos-correios. Não é necessária tanta pressa, pois todos podemos estar certos de chegar a tempo à mesa da peregrinação.» (ibidem, p. 17)
Axel Munthe nasceu em 1957, viveu a passagem do século XIX para o século XX, testemunhou a tragédia da 1.ª Grande Guerra, a Grande Crise Mundial dos finais dos anos 20. Testemunhou também grandes progressos tecnológicos e científicos.
O Livro de San Michele teve a sua primeira edição em 1929, altura em germinava a 2.ª Grande Guerra. Será que Munthe a adivinhou?
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domingo, 14 de agosto de 2016

TODOS SOMOS UM DIA O APURADO E SENSÍVEL ENTENDIMENTO DO PENSAMENTO JUVENIL DE FIODOR DOSTOIEVSKY

Psicologia - Frase da semana, 14AGO16: TODOS SOMOS UM DIA O APURADO E SENSÍVEL ENTENDIMENTO DO PENSAMENTO JUVENIL DE FIODOR DOSTOIEVSKY

Mikhail, o irmão de Fiodor
«Para saber mais, é preciso sentir menos, e vice-versa... A natureza, a alma, o amor, e Deus, a gente reconhece-os através do coração, e não através da razão. Se fôssemos espíritos, poderíamos manter-nos naquela região de ideias em que as nossas almas pairam, buscando a solução. Mas nós somos seres nascidos da terra, e só podemos supor na Ideia - não a agarrando por todos os lados ao mesmo tempo. O guia para as nossas inteligências, através da ilusão temporária para o mais profundo âmago da alma, chama-se Razão. Ora bem, a Razão é a capacidade material, enquanto a alma ou o espírito vive sobre os pensamentos que são sussurradas pelo coração. O pensamento nasce na alma. A razão é uma ferramenta, uma máquina, que é conduzida pelo fogo espiritual. Quando a razão humana... penetra no domínio do conhecimento, ele funciona de forma independente do sentimento, e, consequentemente, do coração.» (1) (Fedor Mikhaïlovitch Dostoïevski, aos 16 anos de idade, numa carta para o seu irmão)

Estou cada vez mais seguro desta minha crença, mesmo que não passe disso mesmo - uma crença. Na adolescência, até a mais animal da biologia da nossa espécie nos empurra para a mais matizada e reactiva sensibilidade - e que bom é que assim seja! Esta sabedoria juvenil - não imatura! - é cada vez mais desvalorizada e desprezada pelos grandes decisores da organização escolar pública e da vida social e económica. A sensibilidade, em geral, e as apetências, em particular, dos jovens estão cada vez mais vigiadas, e escalpelizadas por especialistas do comportamento humano, cientes do potencial de influência a que os jovens estão muito facilmente aderentes, e cientes também do que desejam inculcar nas motivações e nos desejos dos jovens, de maneira a atraí-los, enquanto consumidores, a objectos de consumo altamente lucrativos para quem os produz.
Surgiu ontem na imprensa portuguesa a notícia de que o actual Governo vai criar uma comissão para criar o perfil do aluno no 12.º ano... Um produto sofisticado da hiper-exigente e hiper-complexa Economia de Mercado.
Para quando, na verdade, apostar no natural desenvolvimento psico-afectivo das crianças e dos jovens e das suas assombrosas capacidades reflexivas e criativas, sejas as alimentadas pelo que os especialistas desigam por 'pensamento convergente' e 'pensamento divergente'? Por que razões Piaget, Freud e outros tão condicionados ficaram pela fascinante dinâmica cognitiva e afectiva da adolescência?
Tão exigente é para o jovem o balanceamento entre a Razão e o Coração!... Tão importante é o prudente, discreta e sábia palavra; e o congruente exemplo do educador e do pedagogo! Que confiança, respeito e margem de liberdade tem o educador, o professor, o pedagogo, hoje em dia nas nossas sociedades?

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(1) «To know more, one must feel less, and vice versa… Nature, the soul, love, and God, one recognizes through the heart, and not through the reason. Were we spirits, we could dwell in that region of ideas over which our souls hover, seeking the solution. But we are earth-born beings, and can only guess at the Idea — not grasp it by all sides at once. The guide for our intelligences through the temporary illusion into the innermost centre of the soul is called Reason. Now, Reason is a material capacity, while the soul or spirit lives on the thoughts which are whispered by the heart. Thought is born in the soul. Reason is a tool, a machine, which is driven by the spiritual fire. When human reason … penetrates into the domain of knowledge, it works independently of the feeling, and consequently of the heart.»