domingo, 27 de setembro de 2015

AS VIRGENS BÍBLICAS E A MINHA MÃE

AS VIRGENS BÍBLICAS E A MINHA MÃE

A missa de corpo presente, ontem, na Igreja Matriz da Horta, deu-nos uma muito carinhosa oportunidade de mostrar com limpidez insuperável uma das mais marcantes características da nossa mãe, a Maria de Lourdes.O senhor padre celebrante, quando o momento chegou, fez a leitura do Evangelho. No ritual que os católicos bem conhecem, disse ele, benzendo-se:
«Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus… Naquele tempo, Disse Jesus aos seus discípulos a seguinte parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo. Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes. As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes, com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias. Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram. No meio da noite ouviu-se um brado: ‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’. Então, as virgens levantaram-se todas e começaram a preparar as lâmpadas. As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’. Mas as prudentes responderam: ‘Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores’. Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial; e a porta fechou-se. Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’. Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora… Palavra da Salvação.»
O que nos diz esta parábola bíblica sobre a nossa mãe?
A nossa mãe seria pessoa para ouvir muito atentamente, com muita fé, todas as mais brilhantes, genuínas e legítimas interpretações simbólicas desta leitura evangélica.
Ora, sem que fosse sequer preciso virar costas às homilíacas palavras, ainda estivessem elas a ressoarem aos seus ouvidos, já ela estaria a repartir o seu azeite, fosse com quem fosse que lho solicitasse, fosse qual fosse a quantidade que lhe restasse – tudo, em qualquer altura, que tivesse e que uma alma aflita lhe pedisse, por mais pequenina que fosse a côdea de pão ou a gota de azeite que a minha mãe tivesse, ela dividiria sempre. Primeiro, dividiria, só depois olhava com o que ficava e o que poderia fazer com o que lhe restasse, nunca se arrependendo de dar, a sua preocupação era que não faltasse a quem estivesse aflito à volta dela; se lhe faltasse a ela um pouco, não havia problema, ela seria capaz de aguentar, melhores dias viriam. Nunca ela faria as coisas assim por despeito ou rebeldia contra as lições das parábolas das Escrituras Sagradas – era apenas guiada pelo instinto cego, prontamente disponível, da sua sociabilidade e sentido de partilha.
Recordo agora, com o mais profundo carinho e sentido de gratidão, esta grande lição que ela nos deu. Éramos nós, os filhos, pequenos, eu lembro-me de uma ou outra vez a minha mãe repartir com outros o que eu pensava que era só nosso. Comandado pelo cruel instinto de sobrevivência infantil, que nos manda, antes de mais, bem cuidar de nós mesmos; ou então, já marcado, na catequese, pelo exemplo das virgens prudentes que as catequistas nos mandavam seguir, eu balbuciava um hesitante e aflito “Então, mãezinha, e nós?... Assim não chega p’ra nós!…” A nossa mãe, o bondoso ser humano que era, respondia-me: “Não te preocupes, filho, ainda há que chegue p’ra todos cá em casa…” Tenho memória de uma ou outra vez perceber tensão no rosto da nossa mãe; mas essa tensão não tinha a ver com o gesto de dar, era já ela a pensar como iria lidar a seguir com as dificuldades da vida para que a nós, aos filhos, não faltasse nada. Como sempre fazia, a parte má das coisas, a nossa mãe guardava para ela, poupando-nos por amor.

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