sexta-feira, 24 de março de 2006

O Fernando fala do Fernando com a ajuda do Fernando

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Fernando Pessoa
Provavelmente, o entusiasmo dos alunos (alunos que, de dia, são professores intensamente empenhados no seu fazer profissional e, ao fim da tarde, se sentam nas cadeiras dos alunos), o entusiasmo de alunos sequiosos [Hoje - pelo menos por agora - não falo em avidez] de conhecer mais, de desbravar outros caminhos, constitui-se como uma das dinâmicas de sala de aula de mais difícil manejo. Sobretudo se as aulas são às sextas-feiras, ao fim da tarde, depois do professor ter tido outros alunos, e dos alunos terem tido outros trabalhos ao longo do dia, que é também o último da semana de trabalho.
Aulas assim são de uma tremenda exigência para o professor. É que, se para os alunos os níveis de concentração na tarefa, a capacidade de focalizar e manter a atenção nos temas que estão a ser tratados já não são o que seria desejável serem (e os alunos pouco se importam com isso), no caso do professor, a exigência no seu papel, na sua função docente, é a mesma da primeira hora de aula do dia, ou mesmo da semana.
Terrível condição a do professor que tem de ser capaz de gerir vontades que querem chegar a tudo, às vezes quase sem deixar que as mãos se harmonizem às formas, à textura, ou à temperatura de cada uma das coisas que tocam. É preciso não desapontar. É preciso - como que pegando na terminologia de Eric Erikson, autor de que ando neste momento a falar aos meus alunos - não deixar que os mais ténues sentimentos de culpa, vergonha, inferioridade ou decepção afectiva ensombrem o entusiasmo pulsante, por mais ingénuo que possa parecer.
Quais crianças maravilhadas no mundo mágico dos brinquedos, os alunos são levados, por professores que gostam de o ser , a pedir isto, a querer aquilo, a não querer deixar para trás ainda mais esta ou aquela coisa.
Pois foi assim que eu hoje vi um professor a dar uma aula ao fim da tarde de uma sexta-feira:
Um professor tão fingidor, que porfiou para fingir tão completamente, que chegou a fazer parecer que era coisa, o que na verdade era o modo de a fazer.
Quer dizer, noutra metáfora já vulgarizada, mais uma vez a aula de hoje deu-se naquelas águas agitadas em que se joga a escolha entre dar o peixe ou a cana para o pescar.
Parabéns, Professor Fernando! Hoje ganhou, num terreno e em condições muito difíceis. Mas, cuide-se! Iremos voltar à carga!

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