sábado, 28 de junho de 2014

Primeira história – Atraído Por Velhos Grãos De Café

Andei cem metros. E quantas histórias encontrei?...

27 de Junho de 2014, sexta-feira. Ali perto da Praça da Armada (em Lisboa).

Primeira história – Atraído Por Velhos Grãos De Café

Sinalizada com um discreto rectângulo vermelho
está a casa dos meus avós em Abrantes
Fui ao Arquivo Histórico da G.N.R. Fui à procura da história do meu avô Branco na Primeira Grande Guerra. (1)
Foi fácil arrumar o carro, quer dizer, ali, naquela zona de Alcântara, foi milagre! Em rua de lojas velhas, entrei, por curiosidade, num pequeno café que apresentava, na montra, café para venda, modesto café em grão, sem o artificialismo das modernas lojas que sofisticam a aparência para parecer que o industrial é tradicional. A montra misturava o modesto café com tradicionais rebuçados para a tosse; o que me fez redobrar a vontade para entrar. Pedi um café. O dono, conversava com um cliente, claramente um cliente habitual; e tossia, sem parar de tossir. Puxei de força na voz e interrompi a conversa: “O senhor desculpe-me, mas acha bem o que está a fazer?... A tossir dessa maneira com tantos rebuçados para a tosse para vender?... E depois quer que os clientes os comprem, homessa!...” Os dois senhores interromperam a conversa. O dono do estabelecimento ficou feito estátua com o manípulo da máquina do café na mão – ainda por cima, era o meu café! -; e eu fiquei a olhar para ele, sem o deixar adivinhar se estava sério ou a brincar. “Olhe, disse-me ele, a apontar-me o indicador da mão que tinha livre, a tosse desapareceu!... O senhor tem razão!...” E desatámo-nos os três a rir. E lá veio o café, acompanhado com um saborosíssimo pau de canela.
“O senhor é de Abrantes?” perguntei eu, a seguir, ao senhor. “Não, sou mais para cima… bem mais lá para cima, Viseu… São Pedro do Sul…” “Mas é mesmo de São Pedro do Sul?...” perguntou o cliente habitual. “Não, sou da Aldeia de Sul, estou é cá há muitos anos… Lá há muita água boa para as tosses… e há muitos géneros de águas”, disse-me o senhor, rindo-se, e fazendo, com muita cumplicidade, o gesto de emborcar o vermelho néctar com o indicador a apontar-se à boca. O cliente habitual e eu rimo-nos também. “Perguntei-lhe se era de Abrantes porque estes bolos todos que aqui tem são, todos eles, iguais aos que a minha mãe fazia em Abrantes, este… este… este… são todos!” “Ah, não!... Os bolos não são de Abrantes, nem são de Viseu; os bolos vêm do Alentejo, são de Pias.” “Olhe, se tudo correr bem, daqui a dias ainda venho cá buscar alguns para irem até aos Açores…”
Se calhar, estas conversas são coisas de nada. Só que quando cheguei pouco depois ao Arquivo Histórico da Guarda Nacional Republicana e o senhor que me atendeu depois abundantemente me falou da vida que fez em Portalegre, no “mundo rural” (repetiu várias vezes esta expressão), em Pegões; e, sobretudo, quando me disse, a propósito da afinidade dos nossos apelidos – eu, Alves Pinto; e ele, Pinto Alves – que "era de cima de Viseu, lá para Bragança", eu pensei que haveria ensejo para uma primeira história e uma segunda história – que irei contar noutro texto.
As duas histórias juntas abrem justificação para a terceira, que encontrei quando saída desse imenso Mundo de menos de cem metros! Nos interstícios, ainda passei por marcas da minha terra numa loja de antiguidades e de lá peguei a colecção dos 10 sábios chineses. Do outro lado da rua, num velho alfarrabista, peguei, tirado do pó com muito esforço, um exemplar dos livros que a minha mãe devorava. “Eu sei que é literatura de cordel, mas eu gostava tanto de os ler, o que queres tu que eu faça?...” disse-me ela ainda há bem pouco. O senhor que procurou, procurou, procurou um livro da autora que eu procurava - Corin Tellado - não me deu o livro sem que antes lhe limpasse bem o pó. Sempre com muita dedicação e cordialidade, no fim pediu-me setenta e cinco cêntimos. Ainda pensei em dar-lhe um euro pelo livro, mas tive medo que se sentisse desrespeitado. Fiz questão de lhe dizer que o livro ia dar uma alegria muito grande a uma senhora que, quando nova, tinha lido muitos outros daquela autora; e disse-lhe que lhe falaria do senhor que me tinha ajudado tanto a encontrar o livro.
Ah, a terceira história! É de um senhor - o senhor Bernardo - que me “ataca” retorquindo à minha provocação: “Olhe, o senhor pode achar que não são bons, mas há pelo menos cinquenta e três anos que eu os vendo aqui e as pessoas não se queixam…” Mas, pronto, essa é só mesmo a terceira história. Que se fixa ao pé das outras pelo contraponto que delas faz.
________________________
(1) Curiosamente, há uma densidade de ocorrências na vida do meu avô à volta dos dias 26, 27 e 28 de Junho. Por exemplo, meu avô nasceu a 26 de Junho; a Guerra começou a 28; há um registo (aparentemente contendo um erro), na sua Folha de Matrícula da G.N.R., de uma licença a 28 de Junho de 1917. Enfim... Que fique claro, não sou sensível a explicações místicas destas "coincidências"; ou simplesmente coincidências (sem aspas), como se queira.

Sem comentários:

Enviar um comentário